terça-feira, 12 de dezembro de 2006

nada a fazer...

mesmo que me dissolva na água
que saia de mim como um esguicho
que me retenha num copo
ainda que transparente

terei somente
hoje e sempre
esta cor de manchar

será que um dia vai mudar?



























(foto: elena kulikova - "paint")

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006


olha para mim oh Deus!
Assim de frente!

Será que para Ti alguma vez serei inteira?
Ou terei que ser sempre este retalho?

Estes estilhaços que nunca somem para poder ser nada
para no nada me poder dissolver...

Serva inútil em todos os lugares habitados




Eu aqui oh Deus...

(o abismo sempre...)

Olha-me por favor assim de frente!
Segura que só o Teu olhar me pode Ver!







(foto: velislava - "division by mirror")

segunda-feira, 27 de novembro de 2006




relembro-te...

estavas assim, lá ao fundo às escuras



e eu tinha tudo preparado para a fuga

gabardina comprida

mala amarela com areia e incenso

a contagem do tempo por segundos

e uma espécie de vela
como quem pede luz à boca dos teus versos

Suspirava elsinore pelos poros cheios de rouge...


E tu colocaste-te na plateia (en/a)cenando um adeus

e de polaroid em punho tiraste-te-me um retrato!




foste tu que fugiste ali para a noite escura

onde te esperava o empregado de bar!



"que o dia te seja limpo!"



(fotos e citação: mario cesariny)

sábado, 25 de novembro de 2006


Hoje ao fazer limpezas encontrei uma aranha.

"lá fora estaria tão melhor!"

toquei-a com um só dedo para que subisse
para a poder soltar...
e ao tentar salvá-la matei-a!!

pensei:

tão frágil esta teia deixada
este resquício onde já não ouso colocar as mãos






somos sempre esta coisa a matar
somos sempre esta coisa a morrer
sem saber bem o que fazer...











(foto:jean frederic bourdier - "spider empire")

sexta-feira, 24 de novembro de 2006


Não sou eu que reclamo com a vida
é a vida que reclama por mim!



























(foto: gunther uecker "composition"1963
pregos pintados sobre painel
colecção berardo)



uma toalha de linho sobre a mesa

algumas migalhas

e o resto do pão que sobrou de ontem...


















(foto: cig harvey - "tread softly")

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

sexta-feira, 17 de novembro de 2006



pensava que emagrecendo
retiraria de mim o peso do mundo

ao invés disso
descobri que os casacos também obedecem às leis naturais

que as golas crescem sempre à medida do meu pescoço

cada vez mais fino

cada vez mais esguio

(estrangulando ou desnudando conforme a estação)

descobri que até as botoeiras aguardam encontro marcado
com aquele que nelas entra

e sai

e o encontro é sempre uma coisa apertada
e a despedida é sempre uma coisa que doi

(tenho tanto frio sem casaco!)

sinto o corpo em contínuo emagrar
como se quisesse por ele só ser nada

(como foi ele adivinhar?)


o meu casaco encolhe religiosamente
consoante a mutação da minha medida


e os botões apesar de frágeis
ficam presos até magoar...

ficam soltos
permitindo o frio entrar...











(foto: cig harvey "serie - tread softly III")

quinta-feira, 16 de novembro de 2006


hoje amanheci já velha...
tão velha que não me reconheci!

























(foto: fernando lemos-"a realidade pelo telhado" - 1949/52)

segunda-feira, 13 de novembro de 2006




Será que me Vês assim?


(isto que sinto...)



carne prestes a rasgar

quietude inerte

olhos fechados

inchados

abalados muito adentro

do dentro

do centro...

de Ti...


façam-me o que quiserem

removam-me os restos mortais

atirem-me para uma campa

transformem-me em cinza ardente

lava incerta

magma a estalar



(esta terra...)



vou ficar calada

muda

queda

em tom de resvalar

em tom de deixar soar

apenas a carne aberta

da ferida que em vez de curar desperta


corpo (não sei já se) meu

harpa exsangue

vasos pregados no madeiro

artérias sonantes

ao toque das mãos

das Tuas mãos já feridas

esburacadas

sofridas...


(toma as minhas-são só isto!)


Ouve-se uma música frágil

Será a harpa feita do Teu madeiro?

Serão as veias tocadas pelas Tuas mãos?

Um dia talvez Te dê... (Oh Deus!)

o meu grito inteiro...

e golfadas de sangue jorrarão!



Até lá fico quieta

carne rasgada

ferida aberta

muda

calada

queda





não tenho forças já...



(foto: lilya corneli- "lost gravity 5")

sábado, 11 de novembro de 2006



existem coisas que são para escolher
e outras que não se escolhem...

existem coisas que são para acolher
e outras que não se acolhem...








há que colher sempre (todas) as coisas...





(foto: katia chausheva -"grape")


















Tu sabes que eu gosto de calma
e de serenidade
e gosto de ondas
e de mar
e da maresia nos cabelos a bailar

Tu sabes que às vezes me entristeço
por não saber onde estar
por não Te saber amar

e aí é só melancolia
um soturno frágil
um rasgar o rumo
uma imagem inquieta com piano ao fundo

e Tu sabes que depois da calma
por vezes surge a rajada
o clarão tenebroso
e a trovoada

e o vento breve fica furacão
e está tão perto de mim
que me faz trovão!

(nunca nos conhecemos... pois não?)

e a imagem serena quando chegas até mim
abraçando-me forte
dizendo-me: "Estou aqui"

e no meio da confusão e da bofetada
e no meio de tudo
e no meio de nada

o fim volta a principiar
e morte em mim triunfa?

(um dia há-de triunfar!...)









(foto:lilya corneli - "wind is your wings 4"
work with maria mann)

quinta-feira, 9 de novembro de 2006


Deixem-me fechar os olhos só por um instante... só um bocadinho sim?

(já disse que estou cansada? já?...)
















(foto:josé barrias - "série: vestígios"
desenho, carvão sobre papel e elástico em caixa acrílica 2000
colecção berardo)

sexta-feira, 3 de novembro de 2006




o nada é único lugar que encontro para de facto existir...






(foto:donnie mackay "the bench")

sábado, 21 de outubro de 2006

terça-feira, 17 de outubro de 2006


(à c.s. que me diz poesia ao ouvido em tom de abraçar)






















"pareces um bambu ao vento...
flutuas por todos os lados
mas permaneces tal qual uma árvore
que sabe onde é o seu lugar..."


(querida - sou tão igual a ti!!!
sou feita de não saber e não ter onde ficar...
sou feita de naufragar e continuar a navegar
nesta terra instável, tal qual o grande mar...)

sente um abraço forte amiga!
obrigada pela poesia da vida, muito tua, muito nossa...
muito de morrer e ressuscitar!



(foto:zomik - "between trees")

e fico assim rendida
quando a mim vens de mansinho
baloiçar-me os pés frios
nas águas de outono...

e fico assim rendida
mãos na cabeça tão frágil
pés num chão de resvalar...

e assim fico rendida
mar imenso
céu em mim

talvez um dia em ti
no azul possa mergulhar*....








*voar




(foto: artur k. - "inspired- the hours")

quinta-feira, 12 de outubro de 2006



ando cansada sabes...

há anos que me deito nesta banheira cheia de mim

deste sabor a sal que me conserva submersa

quase ilesa quando saio por enxugar

não te posso prometer o mar

porque estou confinada a esta banheira

limite do que sou

não tenho águas limpas que te deem força

ou um rio imenso a correr constante

sem o variar das estações

não te vou enganar...

mais não posso fazer do que molhar-te ainda mais

do que agitar as águas aparentemente calmas

da banheira

desta banheira branca

estou cansada sabes...

precisaria de coragem para abrir o ralo

deixar a água sair lentamente

cabeça

pescoço

ombros

barriga

pernas

últimas gotas a sairem-me pelos pés

até ficar vazia

seca

e depois...

depois esperaria que o ar me comovesse para além da pele

que as gotas evaporassem em redor de mim

e aí deixaria que fosses tu a abrir a torneira inchada

ferro preso da memória

ando cansada sabes...

VOU ABRIR O RALO!!

VEM!!!

(foto: marilia campos - "sem título")

quarta-feira, 11 de outubro de 2006


não há homens sem medo

pode é haver homens que apenas têm o medo de ter medo...


















(imagem: hans bellmer "la toupie"-1956 - óleo sobre cartão)
colecção berardo

terça-feira, 10 de outubro de 2006



o meu silêncio diz-te o que quiseres ouvir...

o teu silêncio diz-te o que não quiseres ouvir...





(desculpem-me mas eu não poderei nunca querer o querer...)



(foto: sean mcclintoch: "silence")

my story about Story










a história começa com um simples não escutar...

antes do mundo ser isto que somos
existiam os anjos que embalavam os homens nos seus regaços
enrolados no sargaço
entre a terra e o mar...

porém os homens deixaram de escutar
(um dia deixaram de se escutar)

e passado tanto tempo
tempo de muito calar
veio um anjo que não sabia bem ao que vinha
e emergiu de águas profundas

e tinha medo de ser anjo
tinha medo de ser o anjo

e conheceu um homem que nunca tinha chorado a morte dos seus
e um outro que tinha medo de escutar o coração das palavras que lhe ferviam lá dentro
e a irmã dele que ia ter sete filhos e não sabia
e havia uma mulher que decifrava histórias vindas de uma lingua estranha
e a mãe dela que só as contava a "crianças-homem"
(será que ainda existem? será?)

e havia de facto uma criança

e um grupo que fumava charros e falava do Luther King de vez em quando
e um homem sem originalidade que falava da falta de originalidade dos outros
e cinco mulheres histéricas que gritavam ao mesmo tempo
e um homem que não sabia que os seus olhos podiam salvar alguém
e outro que calado que ficava parado em entretém
e uma mulher com esperança, de que a esperança voltasse

e chegou o anjo
e o anjo caiu

não sobre as águas que lhe deram vida
mas sobre a terra onde por vezes morremos antes de morrer


não podemos andar escondidos
não podemos esconder os anjos por muito tempo...

e foi preciso que todos se calassem
para escutarem mais alto e mais fundo
a voz do anjo calado
a voz que ninguém antes tinha escutado

e foi preciso o anjo
o anjo a morrer, tão puro...

para que o homem chorasse
e um outro gritasse as palavras que o iam matar
e só iria ver dois dos sete filhos da sua irmã
e a mulher que decifrava histórias calou-se para as escutar
e a mãe dela lembrou-se de uma criança a brincar

e a criança era a única que sabia do que estava a falar

e o grupo olhou em redor e soube amar
o homem sem originalidade ficou perdido e não soube explicar
e as cinco mulheres histérias ficaram só a olhar
(mãos unidas, tão fortes...)
e o homem salvou com os olhos aquela que o ia salvar
e o homem calado pela primeira vez falou
e a mulher agarrada à esperança, esperou... esperou...

e só na morte o anjo conseguiu regressar
ao mar de onde viera
ficando na memória da terra
que veio a medo resgatar


estou a falar-vos de uns olhos
ou de um gesto
ou do timbre de uma voz
ou de um simples acenar

nem sequer sei bem do que estou a falar
só este sentir cá dentro...

não podemos andar escondidos
não podemos esconder os anjos por muito tempo...

anjos vestidos com paramentos humanos
anjos com sabor a (a)mar...

(foto: a actriz Bryce Dallas Howard no filme "A Senhora da Água")

segunda-feira, 9 de outubro de 2006


when i'm over you
and when you are over me
as we go on this journey apart and alone
just another daydream
just another daydream
just another day
just another day to dream
you can now unlock the sadness
if you ever feel the need
don't you know what turns the planet?
sends those shipwrecks back to sea?
healing begins when the wounds have been closed
caution the flowers, these buds may not show
just another daydream
just another daydream

when i'm over you
and when you are over me

will ours ghosts be together?
so peaceful... so free...
just another daydream
just another daydream

fading in the moonlight
fading in the moonlight
i don't see the world through cold (...) eyes.


(música e letra: perry blake/sabiu - when i'm over you - in, songs for someone
foto: fernando lemos - a sós/areia e vertigem 1949/52-05)

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

o sal da terra
















Desconfia daqueles que veneram. Expulsa de tua soleira os devotos. Não admitas a teu convívio os lábios reverenciais. Com as giestas da última primavera (eram abundantes, lembras-te?), arma a vassoura que trarás sempre contigo. Busca o desprezo, de ti e das coisas, com a mesma infinda minúcia com que outros apenas se buscam, na composição confusa de seus ecos.

Tu, porém, se é a poesia que procuras, cultiva a indiferença absoluta pela poesia. Não te deslumbre a cantilena dos oficiais, nem penses nunca que encontraste a poesia no exaltado martelar dos artífices. Afasta-te dos que repetem os nomes do poema como avulsos consolos, e não como íngremes entradas que a própria montanha estabelece. A poesia passa ao largo de tudo: é um mendigo que chegou a más horas e partiu antes de todos; é um grito que nos sobressalta o sono e não sabemos se irrompeu do mundo exterior ou de dentro dos próprios sonhos; é uma embarcação que pensas ter vislumbrado apenas na névoa e da qual nem coragem tens de falar. Em caso algum te deixes tentar pelos fáceis modos da vizinhança quando a distância é o nó irredutível da comunhão verdadeira.




josé tolentino mendonça
(foto:autor desconhecido - "manicomio de conxo")

quarta-feira, 4 de outubro de 2006





há coisas que se vão como a luz ao final do dia
...e sempre esta espera interminável de ti...







(foto: zomik - "gone")

quarta-feira, 27 de setembro de 2006


quando estou contigo sinto aquele frio rasgado no ventre
os pés levantam com se levitasse
os olhos fecham instintivamente
o tempo pára
a cabeça reclina sobre um dos ombros teus
e eu deixo finalmente de ser quem nunca fui




quando estou contigo é sempre outono...




(foto: lilya corneli - "winter's days series" - work with maria mann)

sábado, 16 de setembro de 2006


Será que me podias devolver o coração exactamente como estava?

Não!! Não te assustes outra vez!!

(que mania essa de que eu é que exijo e quero tudo direitinho!
não!

tenho a certeza de nunca te ter exigido nada
mas estou farta de ser feita de começar e acabar!
de ter que ser eu a decidir coisas que nunca decidi -
estou farta de ninguém conseguir acabar comigo de vez...)

E pode parecer que estou chateada mas não...
não estou nada chateada!

...e também não quero falar!

queria só que me tirasses, uma a uma, cada trave que ficou a magoar-me o peito!

por favor tira-me isto daqui!

devagarinho...
para que o sangue possa ser derramado de vez
em jeito de cálice sagrado onde nunca pude comungar!

por favor tira-me isto daqui!!
para que eu possa ser feita de um morrer descansado!

prometo que não vou falar!

tira-me só estas traves para te poder abraçar!




















(foto: lilya corneli - "elements of power series" - work with maria mann)

quinta-feira, 14 de setembro de 2006


"(...) às vezes as pessoas compreendem-se melhor quando se calam todas.(...)"

irmão Roger de Taizé

(foto: site oficial de Taizé)

sexta-feira, 25 de agosto de 2006

das personalidades vincadas II - fedra




Introdução


fedra é uma cadela rafeira que ficou em nossa casa devido a uma das ninhadas imprevistas de daisy (sua falecida mãe).

ficámos com ela, na altura, por não termos conseguido novo dono devido, diziam,a ser enfezada e pequena em relação aos irmãos e a não ter perspectivas de sobreviver.

mimos a mais e comidinha caseira tornaram-na robusta e meiga apesar de teimosa, mal-educada, irritável, impertinente, inflexível, insubordinada, refilona etc... etc...
(apesar disso é um dos "mais-que-tudo" da família - caso que faz jus à conhecida frase "o amor é cego!")

como todos o membros da família, sai de casa de manhã (como se fosse trabalhar), vem almoçar e volta a sair até ser noite, altura essa em que regressa novamente (mantendo uma espécie de vida dupla e secreta).

a época de cio era a única época em que fedra ia à rua presa por uma trela, trela essa que teve de ir sendo substituida por várias outras trelas cada vez mais resistentes mas que ainda assim não suportavam a força imparável desta cadela rebelde.

da insuficiente resistência das trelas e dos seus donos ocorreram algumas escapadelas que resultavam sempre em ninhadas numerosas.

o pulular constante e fora do comum das hormonas de fedra levaram a que os seus "donos" (i.é. pessoas humanas com quem vive) optassem por uma resolução cirúrgica e definitiva do problema.

do cadastro de fedra (para além das escapadelas) constam: o homicídio (desconfiamos que voluntário) de uma pomba - ainda em criança, o namoro ilegítimo e fiel (mesmo após a operação) com Athos, e o arrombamento e fuga da grade do consultório veterinário aquando da primeira tentativa de cirurgia.

assim, as cenas relacionadas com o cio e ninhadas, já não poderão ser reproduzidas por semelhança em realidades próximas. Quanto às restantes, vão-se passando comummente, apenas havendo pequenas mudanças de "cenários" e " personagens".

O que vos vou narrar, são portanto excertos de algumas situações que fazem parte do nosso dia-a-dia.

ATENÇÃO-
as cenas que de seguida vão ser descritas são realidade. qualquer semelhança com a ficção é pura coincidência.





Cena I

esta cena passa-se num jardim onde fedra costuma "regar" as árvores em crescimento sendo a outra personagem interveniente uma vizinha (v.) que pelos vistos só fedra conhece;
(s.) sou eu própria.

s. passeia atribuladamente fedra, que fazendo força tenta partir a trela. Entretando aproxima-se v. que depois de ter gritado qualquer coisa imperceptível do outro da rua, atravessa de propósito a estrada, cumprimenta de soslaio s. sem interesse, e curva-se para afagar fedra dizendo:

v. - oh fedra!!! onde tens andado?
não te temos visto!!
então?
coitadinha!!! andas presa?

s. - (tentando desculpar-se)
...pois... é o cio...

(v. continua a não dar importância a s. e a fazer festas a fedra)

v. - oh fedrinha!!!
não nos tens visitado ali na loja!!
eu já andava estranhar que não aparecesses...


v. - (olhando de soslaio para s. com ar de reprovação)
agora percebo! andas presa não é coitadinha???!!!

s. - (...)



Cena II

encontro casual entre (s.) e o "rapaz castiço dos olhos azuis que brinca no jardim perto da casa onde cresci" (r.)

r. - olha! tu é que és a dona da fedra?

s. - sim...

r. - sabes uma coisa?
a fedra é a minha melhor amiga!!

s. - (em tom jucozo) ai sim??!!

r. - claro!! um dia um menino, aqui da rua em frente, queria fazer-me mal e ela defendeu-me!! pôs-se à minha frente e olhou para ele assim...


(exemplifica com os dentes arreganhados e rosnando tentando imitar fedra quando está zangada e ameaçando morder)


r. - a fedra salvou-me a vida!!
ela é a minha melhor amiga!

nunca me viste?
costumo brincar com ela aqui na rua!!!

s. - (...)

Cena III

toca a campaínha - conversa pelo intercomunicador entre (s.) e (r.)

r. - boa tarde! a fedra está?

s. - está sim!

r. - ela pode vir brincar para a rua?

s. - ...huh.... ela acabou agora de chegar da rua!...

r. - vá lá!! deixe-a lá vir brincar!!! estamos todos à espera dela!!

s. - (...)


Cena IV

a cena passa-se num café de bairro e a conversa é mantida pelo meu pai (d.) e a sr.ª do café (x.)

x. - (servindo uma água com gás natural)
sr. d. o que é que se passa com a nossa fedra?

d. - porquê d.ª x.? ela portou-se mal?

x. - costuma vir cá sempre dar-me os bons dias e hoje ainda não apareceu!

d. - (...)


Cena V

a cena passa-se num supermercado de bairro onde a minha mãe (m.) faz a compras.

(y.) é a empregada do espaço comercial.

y. -
(séria e preocupada)
dª m. a sua cadela já cá esteve à sua procura!
nem sequer entrou veja lá!...espreitou pela porta e foi-se embora!

m. -
(em tom de brincadeira)
ai foi??

y. - até tenho impressão que foi à sua procura também ali no café a no talho ao lado...

m. - (...)

Cena VI

em casa - diálogo entre (m.) e ( d.)

m. - (saindo da cozinha e falando para d. que estava na outra divisão a ver t.v.)
já tens o jantar em cima da mesa!!


(d. continua a ver tv por um tempo, passado um bocado dirige-se à cozinha)


d. - oh m. é para me servir do que está na frigideira?

m. - (gritando de outra divisão da casa)
porquê? não te chega o que está no prato?

d. - (olhando para o prato com mais atenção)
mas não serviste o prato!!!

m. -
(voltando à cozinha para rectificar, olhando para o prato limpo e sem mancha de gordura, duvidando de si-própria)

mas eu tenho a certeza que tinha servido a comida...
não me digas que estou a ficar maluca!!!

(olha para a frigideira continuando na dúvida...)
mas também não está aqui o bife que te fritei!!!

(olha por fim para fedra que observava calmamente a situação)

m. - não me digas que foste tu fedra!!
batatas e tudo!!!
não sobrou nada e lambeste o prato todo... até parece que o lavaste!!!

fedra -
(lambendo-se e gozando com m. e d.)
(...)

Cena VII

conversa ao telefone.
intervenientes: (m.) e a dona do consultório veterinário (e.) onde fedra foi internada para cirurgia

m. - tou?
olhe eu sou a dona da fedra- a cadela que deixei aí hoje para operar...
é para saber se a cirurgia correu bem!

e. - (em tom irascível)
está a perguntar-me se correu bem minha senhora?
nem sequer pudémos operá-la!!!
nunca me tinha acontecido uma coisa destas minha senhora!
a sua cadela é terrível!
nunca vi coisa assim!
quando lhe demos a injecção para ela adormecer, em vez de ficar mais calma começou a espernear de tal maneira!...
ficou tão raivosa, tão raivosa que até nos tentou morder!

m . - (perplexa)
que estranho! ela normalmente refila mas não morde!

e. - nessa altura ainda nos partiu algumas coisitas que tínhamos por ali!
então, para ver se ela acalmava colocámo-la na grade e esperámos um bocadinho no outro gabinete!!
ela continuou a fazer barulho e nós não ligámos! passado um bocado, voltámos à sala e imagine... ela tinha-nos partido a grade toda!! nunca vi uma coisa assim!!!
naquela grade já estiveram até pastores alemães e nunca me fizeram uma coisa destas!!!

m. - que estranho!! fique descansada que nós tentaremos arranjar os estragos!!!

e. - não!! não é pelo dinheiro!!
isto??
para isto vai ter que contratar um soldador!! as grade são de ferro!!!
quando vier cá buscá-la eu mostro-lhe!!!
a sr.ª vai ver que não estou a exagerar!!
não sei onde é que a sua cadela foi buscar tanta força!!!
nunca vi!!!
e além disso não sei como é que a injecção não funcionou!!! funciona sempre!

m. - então e agora? vamos ter que marcar nova cirurgia??!!

e. - nova cirurgia? eu nem sei se o médico responsável e o estagiário vão querer operá-la!!
depois disto?
é que não tá a ver!! éramos três a segurá-la!!!
nem eles que já têm tanta experiência viram alguma vez uma coisa assim!!...

m. - (...)


(foto: sophiarui "fedra's ashes")

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

das personalidades vincadas I - a laranjeira



conta-se na família que a laranjeira nas traseiras da casa branca de província sempre foi uma laranjeira teimosa.

Ora dava frutos suculentos, ora fazia greve e não deixava vislumbrar nenhum ponto laranja no entremeio dos seus ramos!

Quem se enervava com a situação era a velha Ti Piedade que ameaçava de morte a àrvore de personalidade forte.

Certa estação, em que a laranjeira deveria ter dado fruto, a Ti Piedade, já farta de tanto ralhar, pegou numa foice e ameaçou a àrvore com a lâmina em riste dizendo:

- Se não voltares a dar fruto bom, corto-te o tronco e nunca mais viverás!!!

Coincidência ou não, a partir daí, não houve ano em que a àrvore não nos premiasse com sumarentos e apetitosos frutos.

A quem quiser ofereço, hoje mesmo, um sumo de laranja, sem necessidade de adição de açúcar ou adoçante.

Tchim tchim!



(foto: sophiarui "a laranjeira da ti piedade I e II")

segunda-feira, 7 de agosto de 2006





nunca conseguirei descrever
a sensação da música fluir
na dança de uma mazurca ao relento...

(afinal também sei dançar acompanhada)




(foto:berenika "after concert")

quinta-feira, 27 de julho de 2006





branca de neve...

Não fui eu que escolhi esta imagem
foi ela que me escolheu a mim

repetidamente...

branca de neve...

foi ela que me escolheu a mim...

branca de neve...

não!
nunca gostei de histórias de encantar
sempre fui esta maçã engasgada
esta morte lenta de nunca entender...
de não ter nunca respostas
para o silêncio...

(eternos queridos amantes meus...)

silêncio de nunca explicar...

branca de neve...

se me amam porque fogem vocês?
se me amam por que é que nunca...?
se me amam...
ahhh!!! se amam...porque dizem que me amam???...

branca de neve...

"és demasiado verdadeira para ser verdade..."

"és demasiado verdadeira para ser mentira..."

"és demasiado... demasiado tudo..."

"demasiado nada..."


("aziago..." talvez)

branca de neve...

se a verdade fosse o que a verdade me diz
e a mentira só este não falar...

(intuição a transbordar)

branca de neve...

"tu és o anjo!"

"e todo o anjo é terrível!"


"terrível..."

branca de neve...

"tu és o anjo que me vai salvar!"

talvez por isso...
eternamente...


branca de neve...

"tenho medo de ti!"

"tenho medo do branco que há em ti"


branca de neve...


maçãs da árvore
a única envenenada
é para mim sempre
banquete sem saciar

(serpente a enganar)

branca de neve...

que querem vocês de mim?
não sei que possa trocar...

"-queremos ser o teu grito inteiro!"

o meu grito não dá para narrar!

(solto apenas um gemido
só para experimentar...)

"pára!!! pára!!!..."

branca de neve...

" não dá para aguentar!"


engolem então
as palavras acabadas de pronunciar
grito inteiro envenenado
será que alguém o conseguirá escutar?


branca de neve...

o veneno que sou eu
anuncia sempre o vómito
vómito que é teu e teu
e não me pode manchar...

vomita estas vestes!
vomita!
para que me possa escalvar


branca de neve...

sim!!! foram vários os que escolheram cegar
vários a deixar-me sozinha
no silêncio inconfundível das lâminas...
no silêncio
de indo se deixarem ficar


(doi ainda mais esperar...)

branca de neve...

"quero-te sujar!"

"quero que sejas minha, só minha!"

"branca, imaculada, divina..."

(histórias a nacarar)

"branca do medo que me quer matar!"

"...presa, amordaçada no quarto escuro onde só eu te vou visitar!"

branca de neve....

"vou-te sujar!"

branca de neve...

"vais ser minha e só comigo vais ficar!"

branca de neve...

"come a maçã vais parar de respirar!"

AI!!!!!!!!!!

um dia cortarei o hímen com uma faca...
e lançarei às ribeiras o primeiro sangue
o sangue primeiro que sempre me percorrerá
como um frémito
e nele tingirei a roupa branca com que me vestes

(nunca me despes, nunca...)

branca de neve...

"és a mulher mais bela do mundo!"

branca de neve...

"és a mentira que só eu posso inventar!"

porque é que isso não me chega?
porque é que na altura dos corpos
fico sozinha
neste quarto sem ar!!

branca de neve...

"menina do meigo olhar"


menina, sempre menina...

quando me farão mulher?
quando me conseguirão penetrar
como se fosse
uma puta
um cão
um monstro
a filha
a irmã
a incestar

branca de neve...

fode-me para eu gritar!
eu sou feita de carne e osso
o meu branco é para estoirar!

branca de neve...

porque é que páras?
porque é que não te demoras em mim?
tu és branco do branco que eu sou
fode-me o branco
eu sou só assim!


(longo silêncio
de arrepiar)

branca de neve....
engole a maçã!
um dia o teu grito vai gritar!


(dedicado a Augusta Gerónimo)

(pintura: paula rego "branca de neve engole a maçã envenenada, 1995
pastel sobre papel montado em alumínio 170 x 150cm)


"Terror de te amar
num sítio tão frágil como o mundo



Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa"



"Que nenhuma estrela queime o teu perfil Que nenhum deus se lembre do teu nome Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido

Como o florir das ondas ordenadas."













Sophia de Mello Breyner


(foto: fernando lemos "sophia de mello breyner - a guerreira")



(um dia também conseguirei guerrear palavras como ela...)

"(...)

- és mulher porquê?


-porque é útil!

(...)"


























mario cesariny

(foto: fernando lemos "mario cezariny de vasconcellos- a mão secreta da escrita")

quarta-feira, 26 de julho de 2006



deviamos estar a chegar amor...
de madrugada

a chegar aos pés de Santiago
agradecendo-lhe a jornada e o caminho...

agradecendo-lhe o pão, o cálice, o vinho

e de mãos estendidas
rezando
orando enfim em tom calmo e baixinho...



este caminho...

ahh! que era tão longo que nos cansámos!

ahh! que era tão vasto que nos perdemos!

e a sede que tínhamos não saciámos
na concha que entreabria um fiel destino!


deviamos estar a chegar amor
e nem sequer partimos!


(foto:"santiago de compostela")
descobri que gosto do cheiro de pimenta e mel...

terça-feira, 25 de julho de 2006


Trazemos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que se veja que este extraordinário poder é de Deus e não é nosso.

Em tudo somos atribulados, mas não esmagados;
confundidos, mas não desesperados;

perseguidos, mas não abandonados;

abatidos, mas não aniquilados.

Trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus,
para que também a vida de Jesus seja manifesta no nosso corpo.


Estando ainda vivos, estamos continuamente expostos à morte por causa de Jesus,
para que a vida de Jesus seja manifesta também na nossa carne mortal.

Assim, em nós opera a morte, e em vós a vida. (...)





2ª carta aos Coríntios 4,7-15

(foto: josef koudelka "czechoslovakia 1968"
moravia. olomouc. carnival)

segunda-feira, 24 de julho de 2006


no livro que sou
as estórias de amor são contos efémeros
povoados de vultos negros
e cadeiras de esperar








não, não são lamentos
é apenas um cansaço...

há sempre uma parede com marcas
há sempre um vidro por quebrar






(foto: josef koudelka "england 1974")


Sentir de novo
aquela dor


há pouco
pouco respirar

aquele amor que foi
vivido e esquecido em segredo

como ninguém

perdoar
como perdoar


há tanto tempo que eu queria mudar
queria voltar


acordar

deixar o dia passar devagar

assim ficar...


sentir de novo
aquele amor

há pouco
pouco consolar

aquela dor que foi
vivida e sofrida em silêncio


chegar de novo

sentir o amor
voltar a casa sem pensar

deixar a luz entrar

esquecer aquela mágoa sem ter medo
como ninguém

encontrar
poder encontrar

todas as coisas que eu não soube dar

saber amar


perdoar

saber perdoar


há tanto tempo que eu queria mudar
queria voltar



aceitar

deixar que o tempo te faça mudar

saber esperar...
(Rodrigo Leão-"alma mater-a casa"
foto: lilya corneli"untitled")



sexta-feira, 21 de julho de 2006


- Estou? Estás aí?

Desculpa... é que estava a ver-te mas não te vi!





















(foto: rossi mechanezidis "play figuren1")

quarta-feira, 19 de julho de 2006


no tempo em que os barcos eram de papel
éramos nós que fazíamos ondas com os nossos pés pequenos
e nelas embalávamos o corpo cansado de tanto correr e brincar...

de tanto rir e chorar...

trazíamos numa sacola a tiracolo, todo o tempo do mundo que íamos semeando em punhados por onde passávamos...

perguntavas-me tu então:

"- e os barcos? os barcos de papel não naufragam?"

e eu respondia-te com todo o carinho:

- os barcos de papel rijo amolecem no bater das ondas que fazemos com os pés...
diluem-se na água e seguem o seu curso rumo ao mar...

"- e não ficam tristes?"

- não querido, não ficam tristes porque se perdem no mar grande...

"- e não têm medo?"

- têm! têm muito medo! mas pensam:
agora o mar tem com ele os nossos sorrisos
e é feito das ondas que fazemos com os pés para amolecer os barcos
que eram nossos e que agora são dele

do mar...
e o mar é sempre tão grande...
tão maior do que nós que nunca se pode achar...


mas olha...
dorme agora pequenino, dorme como se estivesses a boiar...
no mar de papel... no mar grande de papel macio...

e tu ficavas mais descansado com a grandeza do mar...
como se sempre tivesses tido mais coragem do que eu...




depois, afagava-te os cabelos até adormeceres,
saía pé ante pé do teu quarto para não perturbar o sono livre, tão profundo!
(como o mar de papel)

apagava-te a luz do candeeiro baço para te devolver a escuridão...

(nunca te deixaria de luz acesa meu querido... só na escuridão se pode procurar a luz...
queria tanto que a procurasses quando "fosses grande"!!!)

só na espuma do mar revolto se encontram os restos de papel
dos barcos que naufragaram em nós...





(foto: aleksei pecknikov "untitled")

não imaginas...
sim! não imaginas...

o que o teu falar calou em mim
o que o teu calar falou em mim

o que a tua ausência me tornou presente...
















(somos poços imperceptíveis cujo fundo não se vê...

...pontes... só nos restam pequenas pontes...
tão frágeis que são...)




(foto: mad alice "the time you run is too insane")

segunda-feira, 17 de julho de 2006


a minha vida é uma batalha interminável

até agora quase sempre saí derrotada...

fica-me o doce sabor de nunca ter negado uma luta...


(não se pode ser derrotado antes de lutar...
até os vencidos têm nome...)










(foto:maia "ma souer méchante")

quinta-feira, 13 de julho de 2006




" (explicavas-me delicadamente:)

-jogamos sempre de lados opostos!

tu desse.
eu deste.

e procuramos não sei bem o quê entre o preto e o branco...


o que interessa é procurar...


se estás no branco - estás segura.

se estás no preto - o abismo
.

tens que empurrar-me para o abismo para não caires tu nele. essa é a regra mais importante!"


- humm...

e porque é que temos que jogar de lados opostos?


"- não faças perguntas idiotas!
porque sim!"


- e porque sim o quê?

"- humpf ( - só me faltava mais esta...)"

- porque não mergulhamos os dois no preto ou no branco?

"-ora, porque o preto e o branco são cores diferentes... não se misturam - é a lei!"

- qual lei?

"ora... ora... a lei do jogo... e agora continuemos..."

- porque não damos as mãos e caímos juntos no abismo?

"ora... porque... porque...
porque não... ficava mal...!!!
avancemos..."


-porquê?
eu e tu?
porque não? porque sim?
vá lá explica!!!

" (irritado) - fazes demasiadas perguntas pequena...

...em primeiro lugar não se dão as mãos!

isso não se usa!!! ora essa!!

e... também não se cai no abismo com alguém...

(embaraçado)
nunca vi isso pelo menos ...

- ahh!! já estou a perceber!

nunca vemos um anjo a cair
ele já está caído!

o abismo é a queda - é o anjo a cair
e cai-se sempre sozinho!


" (aliviado) -é isso menina! é isso mesmo!

CAI AGORA!!!
... mesmo sem jogares!!!
fazes demasiadas perguntas para meu gosto!



(foto: laurent orseau "playing table")