segunda-feira, 26 de novembro de 2007


"não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século aminha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

não posso adiar o coração"






(antónio ramos rosa
de viagem através duma nebulosa,1960)







(foto:lilya corneli -"patchwork series")

sábado, 24 de novembro de 2007



estou apaixonada
e nem por isso me sinto mais feliz...




como dizer-te que serei sempre esta ferida aberta?







(foto:berenika - "(...)")

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

repara: do negro à cor...

Caracol da Graça (Mazurca)






sempre pensei nunca interferir com o silêncio que aqui encontrei...

mas...

há silêncios que se geram na melodia dos corpos
e a dança é outra forma de fazer dançar palavras
sem ruído...








(um dia prometi que ainda iríamos dançar uma mazurca ao relento...
... desde aí passei a ser como tu... e perguntei-te:

" - tu que és feito de esperar:
o que se pode esperar da espera?...

- dança menina! dança! (pareceu-me ouvir-te dizer...) "
)


saudade...


(música: folear)

domingo, 18 de novembro de 2007

um caminho de palavras


"Sem dizer fogo - vou para ele. Sem enunciar as pedras, sei que as piso - duramente, são pedras e não são ervas. O vento é fresco: sei que é vento, mas sabe-me a fresco ao mesmo tempo que a vento. Tudo o que sei, já lá está, mas não estão os meus passos nem os meus braços. Por isso caminho, caminho, porque há um intervalo entre tudo e eu, e nesse intervalo caminho e descubro o meu caminho.

Mas entre mim e os meus passos há um intervalo também: então invento os meus passos e o meu próprio caminho. E com palavras de vento e de pedras, invento o vento e as pedras, caminho um caminho de palavras.

caminho um caminho de palavras
(porque me deram o sol)
e por esse caminho me ligo ao sol
e pelo sol me ligo a mim

e porque a noite não tem limites
alargo o dia e faço-me dia
e faço-me sol porque o sol existe

mas a noite existe
e a palavra sabe-o"






antónio ramos rosa
de sobre o rosto da terra, 1961




(gosto de pensar que este poema me descreve)




(foto:jeff hahn - "ocean dream")

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

hospital


o som cavo no final do corredor
a veia enfiada na agulha
o nome numa cama numerada
horas de espera acumuladas em dias


arquejo final em tom de requiem







(foto:thomas ville - "hospital")

quarta-feira, 14 de novembro de 2007


"Let the show begin
It's a sorry sight
Let it all deceive
Now I'm
Pains in me that I've never found

Let the show begin
Let the clouds roll
There's a life to be found in this world
And now I see it's all but a game
That we hope to achieve
What we can
What we will
What we did suddenly

But it's all just a show
A time for us and the words we'll never know
And daylight comes and fades with the tide
And I'm here to stay

But it's all just a show
A time for us and the words we'll never know
And daylight comes and fades with the tide
I'm here to stay"






(letra:beth gibbons and rustin man - show
foto: cig harvey - tread softly series)





(http://obsessedbythissong.blogspot.com/2007/11/show.html)

o incêndio dos pássaros
é a voz acutilante
num piar breve








(foto:armindo dias - "i'm a bird now")

segunda-feira, 12 de novembro de 2007


"Soon this space will be too small
And I'll go oustide
To the huge illside
Where the wild winds blow
And the cold stars shine

I'll put my foot
On the living road
And be carried from here
To the heart of the world

I'll be strong as a ship
And wise as a wale
And I'll say the three words
That will save us all
And I'll say the three words
That will save us all

Soon this space will be too small
And I'll laugh so hard
That the walls cave in

The I'll die three times
And be born again
In a little box
With a golden key
And a flying fish
Will set me free

Soon this space will be too small
All my veins and bones
Will be burned to dust
You can throw me into
A black iron pot
And my dust will tell
What my flesh would not

Soon this space will be too small
And I'll go oustide
And I'll go oustide
And I'll go oustide"





(letra: lhasa de sela - "soon this place will be too small"

foto: dawek- "untitled")

sexta-feira, 9 de novembro de 2007


será possível classificar a dor?
nomeá-la?

pergunto-te isto porque no outro dia lembro que choraste
porque não te dei um beijo
e disseste "és má!"
e isso magoou-me

e depois fiquei a pensar qual das dores seria a maior
a tua ou a minha?
qual das dores seria uma perda?

existirão dores maiores?
como se mede o tamanho da dor se o coração é tão pequeno?

então pensei que quando me disseram que alguém estava no céu
eu olhei para ele e era azul
e dessa vez não senti dor nenhuma
e acho até que vi um sorriso por detrás de uma nuvem
e na altura eu era pequenina e pensei que ir para o céu era uma coisa boa!
de sorrir!

mas quando desapareceste assim... da minha frente... eu tive medo e pavor e mágoa e raiva e pânico e todas as palavras com todas as letras que fizessem chorar
e estava de facto tão apavorada... tão sem nada e com tudo, que nem sequer consegui desfazer-me em água (que é coisa que faço com alguma facilidade até...)

olhei de novo para cima e choveu
e as gotas eram do tamanho de grandes lágrimas paradas
como se o inverno viesse para se instalar por dentro
como se já não houvesse mais estações no meu coração
como se nunca mais pudessem existir mais verões nem outonos...

(será que alguma vez te disse que gostava do outono?)

então comecei a classificar as dores
a dar-lhe nomes feios ou bonitos conforme a intensidade
a hierarquizá-los em crescendo de gemido:

magoar um joelho
a birra por um gelado
a perda do primeiro namorado
a primeira traição
...

e quando tu morreste pensei que só teria que te encaixar num destes patamares
que era fácil dar-te um nome e arrumar-te numa prateleira na minha vida...

foi aí que percebi que existem dores maiores
dores inclassificáveis
dores que, ainda que não queiramos, nos deixam escravos da própria dor
que se transformam numa camada de pele que passa a fazer parte de nós

quando morreste senti que outras mortes se seguiam
que nunca iria conseguir classificar... isto...

(percebi que já nunca mais te iria ver entendes?
o calor da pele... ficaste fria... e branca... tinham-me dito que o branco assusta e só percebi nessa altura porquê...)

também percebi sem entender que há certas dores que são um grito inteiro
dado ao relento daquela casa onde nunca poderemos entrar

percebi sem entender
que se houver uma hierarquia de dor
as dores maiores serão sempre aquelas que não têm nome...
serão sempre aquelas que invertem a ordem da natureza
são exactamente as que desordenam
as que nos fazem perder até aquilo que nunca tivémos

(descobri que nós não somos nossos entendes? e isso doi!)






quem perde um pai ou uma mãe é orfão
quem perde o companheiro ou companheira é viúvo


mas...
que nomes são estes?
onde estão?

quando partiste pensei que serias um acto isolado
que eu conseguiria apaziguar-te cá dentro
não ia morrer mais ninguém...

eu queria uma palavra para ti
(para que pudesse depositar nela tudo o que sinto entendes?)
como se a existência de uma palavra pudesse ser ela mesma o buraco onde te enterrar)

mas desde que partiste é ainda mais difícil
como se vivesse num mundo em que o meu alfabeto não coincide






procurei em vários dicionários de linguas estranhas até mas...
nunca consegui encontrar uma palavra para quem perde um irmão...
depois para a avó a mesma coisa...
e...

quem se segue afinal?

será que desde aí tenho que ver a morte todos os dias para te dizer que nunca acharei as palavras certas para descrever isto... aqui... cá dentro?...


e depois o pai... por um fio... tantas vezes...
vezes demais...

e vejo a mãe p.
a nossa mãe...

nunca ninguém conseguirá inventar um palavra para quem perde um filho
(essa sim, talvez seja a dor maior...)

envelheceu tanto... p.
envelheceram tanto
envelhecemos tanto p. tanto...

vês daí?... do céu?... há um céu?... de que cor?...






desde que partiste
continuo a ver muita gente morrer à minha frente todos os dias...aos bocadinhos... finos e lentos... e essa morte devagar não pára e consome...




depois da primeira morte há sempre outras...
e em todas as mortes é a nossa que se vai misturando também...


as dores maiores são inomináveis
por não terem espaço nem tempo que nelas possam caber

















"quem disse que o tempo aplacaria a minha dor?"







(foto:chuck inglefield - thoughts of mortality)

quinta-feira, 8 de novembro de 2007


há definitivamente uma grande diferença entre calar-me e calar...



(foto:katia chausheva - night piece)