segunda-feira, 18 de junho de 2007



nunca percebi grande coisa deste mundo



desde pequena que olho para as coisas
como se fossem lugares parados
sombras por abrir na mais alta escuridão

a minha mãe dizia-me que eu era uma criança calada
ensimesmada no mundo por vir
ficava quieta até à frente do aparelho
onde normalmente um homem dizia as notícias da última noite

nessa altura talvez eu ainda não soubesse o que era a noite
(talvez intuisse só que ela existia... por ali...)

sabia das sombras mais escuras da casa
de como eu as desafiava no pequeno corredor de volta ao quarto



- porque não acendes a luz filha?

- e se um dia não houver lâmpadas? nem velas mãe?




e ela calava a minha escuridão com o toque de um dedo
não percebia que eu queria ver para além dali
daquela luz que me parecia mentida
fundida nas paredes do quarto
sombras forjadas à espera da manhã


desde pequena
eu queria atravessar o escuro
o lugar parado que ninguém queria atravessar
(o que haverá para além mãe?)

e continuamente ela acendia a luz como se me guiasse
na ilusão que eu esquecesse as madrugadas mais fundas
onde ela intimamente me sabia acordada

embalava-me na noite com aquela lâmpada improvisada
como se me quisesse ocultar o mais puro segredo
como se me adiasse o destino
só por mais um tempo


nunca percebi grande coisa deste mundo


preso à ideia de liberdade
pacificado na mais funda guerra


que sufoca na luz
e perpassa as trevas como um alvo a abater






sim,conheço pouco do mundo...

viajo por dentro
onde nunca me pedem bilhete

já fui à china e ao japão
ao deserto e a veneza

já tive sede e fome

e sobrevivi quieta
no abismo de mim

viajei parada
como se andasse milhas
e a acalmia dos dias
é a tramutação da mais funda dor


agora sei o que é a noite
e a escuridão
e gosto da tristeza como se de uma irmã

os únicos passos que dei foram
nesse corredor pequeno da casa que me leva ao quarto


não consigo dormir perante a sombra mais escura
não consigo parar a dor por me mostrar tão além...




nunca percebi grande coisa deste mundo



e vou ficando por aqui parada
quieta como quando te fazia perguntas:

- o que haverá para além da noite mãe?



(foto: marilia campos)

7 comentários:

CNS disse...

Talvez a inquietude de um olhar que se transporta para além do que lhe dizem para ver.

Gostei muito do teu canto. Irei voltar.

Vítor Mácula disse...

You' ve got it in the not, oh little sister :)

bruno disse...

belíssimo, sophia.
muito. (agora vou
calar-me um bocadinho)
um abraço.

musalia disse...

o mistério, aquele que nos é vedado. o porquê, onde não cabem respostas...

abraço.

Cometa 2000 disse...

que lindo o texto...
já o li e reli...

(deixo não uma vós calada mas o meu silêncio)

Susana Miguel disse...

líndissimo texto,sophia
todo ele um segredo...e a questão que fica:
«o que haverá para além da noite mãe?»

abraço grande.

rota_aérea disse...

:)
continuas a abrir a pequena rosa... muy bien ;)

recebe um abrç de luz...