sábado, 30 de agosto de 2008

éramos três irmãs
morreu uma
a outra ficou
vou irmanando pelo caminho
somos poucas
somos muitas
não deixamos de ser três

quarta-feira, 27 de agosto de 2008


o nosso quarto era a parte detonada da casa

tu contavas da noite aquilo que os meus olhos semi-cerrados nunca poderiam naquela idade ainda ver

tu contavas da noite a noite

eu ouvia e deixava que a água dos olhos se infiltrasse pela íris adentro e me percorresse os caminhos onde só as artérias se arrastam, até ao coração das coisas inomináveis

a mãe ficava em joelhos atrás da porta
quase que lhe aspirava a treva que se infiltrava pelas frestas da porta
quase que lhe sentia já o negro dos paramentos que a revestem

(até hoje)

tu falavas-me das flores que partiram os caules antes de serem colhidas
e perguntavas-me porque nasciam crianças já mortas nos seus canteiros

e era tudo tão estranho
que eu ficava em silêncio na esperança de que a manhã viesse depressa e eu pudesse ressuscitar-te com lençóis lavados

e depois, como as noites eram longas eu decidia quebrar o cume das horas acendendo a luz
dizia-te do céu azul, e do branco das nuvens
de como existiam pássaros cujas asas ainda não tinham sido cortadas

tudo para que esquecesses as sombras e as vozes que dizias sussurradas nos pequenos espaços em que paravas de falar

nessa altura eu era jovem, e tinha um ar jovem e pensava que isso era suficiente para vencer a morte
nessa altura eu pensava que morte era o nome de uma senhora sábia que morava na casa por detrás da avó

nessa altura o teu corpo estava já todo manchado de noite e eu não consegui perceber isso porque te confundi com sombra da parede do quarto detonado





A casa ruiu por fim
mas lembro-me agora que ainda te conseguiste despedir de mim com um beijo de boa noite

era já manhã quando o fizeste
a mãe tinha adormecido encostada à parede esculpida de humidades
e no soalho escuro
ao pé dela, nasceu uma planta que tem crescido ao sabor do sal





Se perguntasses por mim hoje dizia-te que mudei de casa e até de quarto

e a noite?
a noite...

Se perguntasses por ela dizia-te que continua lá
Que continua cá…

duas estórias que são só uma

















"quando o verão era apenas matéria de fenos
tu ficavas intacta na paisagem
e aí eu podia ver-te
única sombra no desvario do sol












______________




(...)



______________


e eram turvas as letras insanas
em que emaranhados ondulavam os teus cabelos
o teu rosto
tez imersa de sal e o arcano saber arredondado de fugas
a voz a incendiar os grãos de trigo que eram já o desvelo em que te foste"




viria veraz

terça-feira, 26 de agosto de 2008

optimistic lyric




sim... estou em pânico
preciso de qualquer coisa
nem que seja uma música...

talvez uma só música me salve...
talvez...













"you can try the best you can
you can try the best you can
the best you can is good enough"











(foto:michal krakowiak - "untitled with serious art"
letra: radiohead)

enjoy the silence

"words like violence
break the silence
come crashing in
into my little world
painful to me
pierced right through me
can't you understand
oh my little girl

all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms

vows are spoken
to be broken
feelings are intense
words are trivial
pleasures remain
so does the pain
words are meaningless
and unforgettable

all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms

words are very unnecessary
they can only do harm

words like violence
break the silence
come crashing in
into my little world
painful to me
pierced right through me
can't you understand
oh my little girl

all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms

vows are spoken
to be broken
feelings are intense
words are trivial
pleasures remain
so does the pain
words are meaningless
and forgettable

all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms

words are very unnecessary
they can only do harm
can only do harm"
















(letra: martin gore
originalmente interpretada por depeche mode
não posso deixar de gostar mais da interpretação de uma das minhas poderosas preferidas)

Broken flowers, originally uploaded by dreaminfinity.

"separei os braços
exilei o peito

doeu-me tanto
que não sei chorá-lo"






daniel faria

terça-feira, 19 de agosto de 2008

porque a minha revolução não tem nome...




(dedicado a todas as mulheres
em especial à minha mãe...)




“Ao longo da curva do globo terrestre há mulheres a levantar-se de madrugada, na escuridão que precede a luz, no lusco-fusco que antecede o nascer do sol; há mulheres a levantar-se mais cedo que os homens e que as crianças, para quebrar o gelo, acender o fogão, preparar a papa, o café, o arroz, para passar as calças, para fazer tranças, para tirar água do poço, para ferver a água para o chá, para preparar as crianças para ir para a escola, para colher os legumes e começar a caminhada para o mercado, para correr a apanhar o autocarro para o trabalho (…).

Eu não sei quando é que a maioria das mulheres dorme.

Nas grandes cidades, de madrugada, há mulheres que regressam a casa de fazer limpeza aos escritórios durante toda a noite, ou de encerar as enfermarias dos hospitais, ou de fazer a vigília aos velhos e aos doentes, assustados com a hora em que a morte virá cumprir a sua missão.
“(…) as mulheres passam horas a limpar pedras minúsculas e a escolher feijões, trigo, arroz; elas descascam ervilhas e estripam o peixe e esmagam as especiarias nos almofarizes. Elas compram ossos ou tripas no mercado e preparam sopas baratas e nutritivas. Elas remendam roupas até que estas já não tenham ponta por onde se lhes pegue. Elas… procuram… os mais baratos uniformes escolares, no maior número possível de prestações. Elas trocam velhas revistas por lavatórios de plástico e compram brinquedos e sapatos em segunda mão. Elas caminham longas distâncias para encontrar um novelo de algodão a um preço mais acessível.

É este o dia de trabalho que nunca mudou em nada, o trabalho feminino gratuito que significa a sobrevivência dos pobres.

Numa luz ténue eu vejo-a, vezes sem conta, o seu relógio interno empurrando-a da cama com os membros pesados e talvez doridos, com o seu bafo a bafejar vida ao seu fogão, à sua casa, à sua família, com a última amostra fria da noite no corpo, de encontro ao súbito sol nascente.

No meu mundo branco (…), tentaram convencer-me de que esta mulher – politizada por forças cruzadas – não pensa ou reflecte sobre a vida que leva. Que as suas ideias não são ideias reais como as de Karl Marx ou de Simone de Beauvoir. Que os seus cálculos, a sua filosofia espiritual, os seus dons para a lei e para a ética, que as suas decisões políticas de emergências diárias são meramente instintivas ou são reacções condicionadas. Que apenas certo tipo de pessoas pode formular teorias; que a mente branca instruída é capaz de formular o que quer que seja; que o feminismo branco de classe média pode ter conhecimentos em nome de ‘todas as mulheres’; que a formulação somente pode ser tomada a sério quando formulada por uma mente branca.

(…) eu, claro, preciso de sair da base e do centro dos meus sentimentos, mas com o sentido de correcção de que os meus sentimentos não são o centro do feminismo.
(…) fugir ou ignorar tal desafio significa apenas isolar o feminismo branco de outros grandes movimentos de autodeterminação e de justiça dentro dos quais e contra os quais as mulheres se definem.

Uma vez mais: Quem somos ‘nós’? (...)"










RICH, Adrienne (1984). Notas para uma política da localização. In MACEDO, Ana Gabriela (org.) (2002), Género, Identidade e Desejo – Antologia Crítica do Feminismo Contemporâneo. Lisboa: Edições Cotovia












(foto:katia chausheva - "sunday")


“i am walking rapidly through striations of light
and dark thrown under an arcade

i am a women in the prime of life, with certain powers and those powers severely limited by authorities whose faces I rarely see

i am a women with a certain mission which I obeyed to the letter will leave her intact

a women with the nerves of a panther

a women with contacts among Hell’s Angel’s

a women feeling the fullness of her power’s at the precise moment when she must not use them

a women sworn to lucidity who sees through the mayhem, the smoky fires of these underground streets

her dead poet learning to walk backword against the wind on the wrong side of the mirror”





adrienne rich














(foto:lilya corneli - "black and white series")

incomoda-me que chames "cão" a uma cadela






















(foto: terry ward - "dogs")

(porque não espero)


não percebo
essa tua necessidade de prometeres mundos e sendas
se sabes que a única coisa que levo sempre na mala
é a memória de ti












(foto:mario l. - "waiting on sunday to drown")

domingo, 17 de agosto de 2008


continua hoje esta lua inflamada de limbos
estou à tua espera nessa canídea forma de ser...
vem!





















(foto:berenika - "moon's voice")

amplexo


não sei que seja
há um subir fundo
um aprofundar de superfície
um marulhar que se vê de longe

há um vento que ruge
um ventaneiro que emudece com as primeiras chuvas
uma silenciada que explode numa língua estranha

há uma terra ao fundo que rima com outonal ou invernal
(e é bom saber isso em pleno verão)

há um rapaz de quase não caber nas portas baixas
um moinho que dança até entardecer
há o cheiro da terra lubrificada
os rolos de palha intacta a amarelecer
há o jardim das oliveiras presas e delimitadas ao lado da igreja
o quadro de uma rapariga acesa na montra das velharias
e frente à cabeleireira estridente e cusca
há o marco de correio onde envio a carta que te queria em mão





sabes que sou capaz de percorrer o país inteiro por um abraço
e de chegar intacta à madrugada
ainda a saber ao branco da cal das paredes onde colocas as mãos

por muito que escreva há palavras de que não sei o sentido
e por mais dicionários que procure é na estradas que te vejo
asfalto negro a cumprir o chão



(foto: nel- "...")

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

terça-feira, 12 de agosto de 2008


venho apaixonada...

pela música...

pelo som...

pelo que dele emana...












será que já é tarde para aprender um instrumento?





(foto:"cassiopeia" - a harpa dos folear construída pela zé-)

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

nostalgia...

Hospede inúmeras fotos no slide.com GRÁTIS!


"l'oiseau

le matin je me léve
j'entends chanter l'oiseau
j'entends chanter rossignolet
qui dit dans son language:
-sont les malheureux les amoureux
qui se mettent en ménage
pour se mettre en ménage
faut avoir du talent
il faut nourrir femme et enfants
mére et tout le ménage
adieu plaisir, adieu beau temps
mon tendre coeur s'engage...
au matin de mes noces
quel habit prendrai-je?
et je prendrai mon habit noir
couleur de pénitence
et mon chapeau des trois couleurs
mon cordon de souffrance"











(resta guardar e aguardar
outro baile
um corpo que sofra connosco cada nota expirada
o suspiro dos passos arrastados até ser dia
até não mais ter forças para poder dançar...)






(foto, letra e música: la machine)

sábado, 2 de agosto de 2008

estudo para Irina - from Macha



Ruslan e Ludmila


У лукоморья дуб зеленый;
Златая цепь на дубе том:
И днем и ночью кот ученый
Всё ходит по цепи кругом;
Идет направо — песнь заводит,
Налево — сказку говорит.



Há um carvalho verde junto à baía;

E no carvalho uma corrente de ouro:

E um gato sábio, noite e dia,

Anda na corrente em redor;

Vai para direita — canta baladas

Para esquerda — conta contos de fadas.



(excerto de poema: alexander pushkin
tradução: antónio pescada
foto:katia chausheva "nadia")


"quando os deuses querem castigar-nos respondem às nossas orações."

ana teresa pereira