domingo, 29 de abril de 2007



"(...)as mulheres desta família
não nasceram para ser felizes(...)"





















(federico garcia lorca, "a casa de bernarda alba"
foto:angelle-"finie")

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Mar




Passo e amo e ardo.
Água? Brisa? Luz?
Não sei. E tenho pressa:
levo comigo uma criança
que nunca viu o mar.









(poema: eugénio de andrade
foto: dorota wroblewska - sea stories)

domingo, 22 de abril de 2007



pensei um dia encetar um poema nas paredes da casa





descobri então que não sei escrever

descobri então... que nunca terei casa...













um dia pedi-te:

"tira-me estes espartilhos!"


e tu desfiaste os cordões sujos


um a um


e vendeste-os ao preço justo na feira da ladra


onde compravamos vestidos leves no meio do verão!!















assim:

desvias teimosamente o olhar onde a intuição habita...

tão perto do que não queremos ver...

instante de olhar a antever aquilo que ninguém codifica





canto do olho atento ainda por desvendar

peito esventrado de ver coisas que ninguém sabe imaginar...

fica por aqui...sim?
a mim basta-me o teu breve olhar...

sexta-feira, 13 de abril de 2007



"Pré-scriptum :





aaaaaaaaaaah, sabe, a elevação cristã inclui a descida ao inferno, a que entre outras coisas naturais e sobrenaturais, corresponde a revelação e tomada de consciência de todas as nossas condições e possibilidades de existência. É a partir da realidade integral do ser humano que nos transfiguramos, e não do retiro imaginário para ideias elevadas que não suam nem desesperam. Nesse sentido, antes um mal real, que um bem alienante. O primeiro, pode transfigurar-se em Deus ; o segundo, não tem transfiguração senão imaginária : a projecção de si numa representação imaculada sem merda nem esperma, sem ódio nem raiva, sem medo nem confusão, etc

A verdade que liberta, inclui a verdade de si. Ou se preferir, assumir-se como pecador não pode ser apenas de boca : trata e instiga a uma tomada de consciência, e um vir à tona e à expressão – a realidade da nossa finitude que se falha por tensão inata de quebrar os seus limites (e o problema é que nos tomamos por aquilo de que somos apenas imagem e reflexo).





Scriptum :





Possa a minha pequena voz nunca trair por recate ou pudor, a verdade poética que cada personagem grita ou canta, da pornografia ao sublime. Aqui trata-se do plano não existencial que é a experimentação poética : expressão das possibilidades sem retenção, o que logo por si só implica uma suspensão da moralidade. A possibilidade (seja um assassínio ou um surto psicótico) quer-se levada ao seu limite sem retenção nenhuma. O que, atente-se e dada precisamente a suspensão moral, também não indicia aprovação moral da possibilidade, como é evidente.





Pós-scriptum :





"Vaidade, é tudo vaidade. Vaidade e medo da morte." + "Verdade, é tudo verdade. Verdade e medo da vida" = "Veneno, é tudo veneno. Veneno e medo de si."

(às vezes quando "falas" apetece-me calar...

obrigada vitor por seres esse reflexo)



(texto:vitor mácula
comentário a"halo por trás dos prédios"
9 de Abril de 2007
foto:andrzej furtak -"praying hands")

quinta-feira, 12 de abril de 2007



fala-me amor,


do encanto das quedas

e do díficil das flores murchas

de como não sabemos ressuscitá-las

mesmo que lhe falemos aos ouvidos quietos das pétalas quebrantas




fala-me amor,


de como é frágil este lugar onde nos sentamos

de como amanhã podemos já não estar aqui os dois

(nunca seremos um só sabias?)




fala-me amor,


das tempestades

do desbastar dos campos quando a terra já não é fecunda

de como a semente para nascer tem que morrer primeiro




diz-me amor,


peço-te

que nunca me faças feliz aqui

pois só nos resta sempre estarmos assim lado a lado




e saber amor,


deste não saber

que o amor verdadeiro não é uma coisa nossa




saber amor,


do amor

apenas a falta que ele nos faz...

(foto:elena retfalvi)

quinta-feira, 5 de abril de 2007


e quando eu desisto de lutar
por já não haver força nem pele
que resista

(tão magra... costela primordial quebrada)

e num rasgo te entrego toda a minha vida
para que tu decidas

vens, oh deus!
assim de mansinho
e carregas-me ao teu colo com se fosse um abraço

e caminhas por mim na noite escura
até entregares a minha alma à luz vivida

até que eu acorde da sombra amanhecida!

(desculpa deus estes olhos tão baços)





(foto:katia chausheva -"night-piece")

quarta-feira, 4 de abril de 2007


não quero ficar num sítio onde não possa chorar e espernear!!

não quero!!





















(foto:geoffroy demarquet - "untitled")

segunda-feira, 2 de abril de 2007


sim!!
quero tirar-te das amarras que te prendem!

e o meu querer é tão pouco!

e estas mãos não têm força!!

estou a esforçar-me não vês?





não podes ver- estás morto!!

Porque é que ainda acredito
que viverás?
porque é que ainda acredito no que os meus olhos não vêem?

Porque é que ainda acredito que te vais levantar dessas tábuas?

estás morto!
toda a gente me diz que estás morto!

e estás aqui, cá dentro tão forte...
(será isso viver?
será que viveres em mim basta?)


ouço os gritos daqueles que me dizem- "desiste!"
"desiste! desiste! desiste! desiste!"

ouço o escárnio daqueles que me dizem: "nada a fazer!"

"nada a fazer!""nada a fazer!""nada a fazer!""nada a fazer!""nada a fazer!""nada a fazer!"

"é assim a vida! é assim a vida! é assim a vida!"

qual vida? estás morto!

se é assim a vida porque estás morto?


nunca percebi isto de ser!
nunca percebi isto de estar aqui!
não me deixes ficar aqui sozinha!
peço-te:
não me deixes ficar aqui sozinha!

tenho medo de estar aqui!
tira-me daqui!

são tantos!!
sou só uma - vês?

não podes ver-me!!
estás morto!!
matei-te!
mataram-te!!
mataste-te??

(também tu perdeste as forças?
tu que és deus perdeste as forças?
que vai ser de mim? sou só isto!)

não há refúgio nesta terra infértil
não crescem flores aqui!

porque é que tens flores em volta?
porque tingiste as flores de sangue?

vê o que fizeste!
isso não se faz!!
diz-me o que fazer!
diz!

eu continuo aqui a tentar soltar-te
a tentar soltar-me... meu deus!!
não vês?

abre esses olhos!!
se és deus abre esses olhos!!
abre esses olhos para me veres assim tão pequena!!
estou a esforçar-me não vês??

estou a esforçar-me e tu estás morto!!
que estou eu a fazer aqui??

não vês?? estou aqui apesar do grito!!
estou aqui apesar do luto!!
estou aqui e nem sei se estou!!
já não sei de mim!!!
estou para aqui a tentar retirar-te este cravo!!
está preso entendes?
estou presa entendes?
aqui...

e ainda falta o outro!!
e eu já não tenho forças!!
e grito!
não ouves?
não vês?
abre os olhos!!


há muitos gritos em volta!!

"desiste! desiste! desiste! desiste!"

por favor descobre esta voz no meio dos gritos!
são tantos!

"nada a fazer!""nada a fazer!""nada a fazer!""nada a fazer!""nada a fazer!""nada a fazer!"

e choro de te ter perdido!!
doi tanto!! e tu aí cravado!!
e está tão escuro aqui!

sou tão pequena!
só tenho estes braços e estas mãos sem força...
não vês que não tenho força suficiente para suportar este madeiro??

estás morto??
diz-me ao menos se estás morto??

tu que és deus!!
diz-me se és deus??

sai daí!!
levanta-te!!
não consigo sozinha!!
não vês??

quero sair daqui!!
tirar-te destas amarras!
sair destas feridas que me prendem aqui...

não consigo ver sangue!
tu sabes!!
tu sempre soubeste que eu não suporto ver sangue!
pára de sangrar!
tu estás morto!!

porque é que me fizeste isto?
porque é que eu continuo aqui?


AAAAAIIIIIIIIIIIIIIIII!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!




















olho para ti exangue
e trago no peito a decisão
que me trouxeste no calar!!



mesmo que não te levantes
quero ver-te solto na morte!!


(será isto viver?)




(foto:karin elisabeth - "crucifixion")