quarta-feira, 25 de janeiro de 2006


Toma!

Toma-o!

Está inteiro como inteiras estão todas as coisas quebradas que se querem secretamente unidas...

é doce como são doces todas as coisas amargas que se querem mergulhadas de eterno...

é teu como tuas são todas as coisas que não te pertencem...

Toma!
Toma-o! está inteiro!
Sempre esteve... à tua espera...

(foto:lilya corneli)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

búzio


"sei que nunca viste o oceano
que nunca olhaste a onda sobre a onda,
que nunca fizeste castelos para o mar ser forte.

mas sei que já viste o coração das coisas, que já tocaste a ferida nos nossos braços, que já escreveste para sempre o nome da terra.

por isso te digo que vou levar-te ao mar

na concha das minhas mãos, azulíssimo,


para que nele descubras o meu nome

entre os seixos os búzios os rostos que já tive."

vasco gato
in, um mover de mão
assírio e alvim, 2000

(foto: margarida delgado)

ao m., eterno g.
porque o mar ao sol pode ter muitas cores

"um dia eu mostro..."

queria muito não te querer assim tanto...

quarta-feira, 11 de janeiro de 2006


Chamaram-me à parte naquele dia

vieram de escuro vestidos e de olheiras prontas...

Disseram-me então que tinhas morrido à instantes e que vinham ter comigo para que soubesse...

Não. eu nunca soube o que era a tua morte porque continuaste em mim...
(só a ausência da carne quente e do choro, só?)

Segurei a tua imagem nítida até hoje
( ainda agora tenho medo que se parta...)

seguro-a sempre muito bem!
tenho medo que se quebre (em mim)... que se estilhace na areia e me devolva os sete anos de azar que a perfeição sempre oferece...

Mesmo a dormir és bonita!
és tão bonita!
mesmo que não segures as flores, que não mas mostres directamente vejo-as aqui dentro (ao espelho)

cá dentro, bem dentro...

No que eras e no que és... sou eu que continuo a ser-te...

aiiii!!! o tocar da pele faz tanta falta!

(foto: francesca woodman)

terça-feira, 10 de janeiro de 2006


"a minha alegria é o aroma de tangerina nos dedos,
comer aos gomos a paisagem

e limpar depois

a boca
à manga do espanto.
Tu puxas-me
e somos duas crianças

num trilho de mata

num banco de pedra,

num portão verde dividindo
o aqui e o ali.

Porque nós estamos aqui.
Aqui onde te entrego os meus bolsos,
e - repara - as tuas mãos cabem.


Nós estamos aqui.


Menina do rio na tua canoa
de silêncios, a tua voz enrola-se na minha voz como prédios
e sombra numa cidade, como leite e açúcar na infância, como
o destino de um navio.

Atravesso quilometricamente a pobreza
deste reino para te ver, para te ver uma bússola de neve,
uma corda vermelha, a destreza de um telhado através dos
dias.
Tu não precisas falar uma outra língua, o persa é uma língua que nos chega! Tu não precisas oferecer-me
portas e milhares de portas, basta que apareças.

Que apareças nesta fogueira de bruxas,
na inquisição canina de uma época longe, muito longe,
dolorosamente longe da magia de um homem e de uma mulher.


Nós estamos aqui para arder pelo nosso corpo completo.

Tu e eu, leões estirados ao sol,

harpa para os nossos dedos quentes,

poema numa sala de lâminas.

Nós estamos aqui para fugir, nós estamos aqui para chegar

de vez."

Vasco Gato
in, 47, edição de autor

(foto: lilya cornelli)

dedicado ao meu amigo b.b.
porque os pára-brisas podem ser muito mais do que simples pára-brisas
e tangerinas... sempre tangerinas nos dedos...

quarta-feira, 4 de janeiro de 2006


Vês como retiro o véu que me protege sempre que me pedes?...

porque é que não me abraças?

Tenho frio! tenho muito frio!


(foto: lilya corneli)

terça-feira, 3 de janeiro de 2006


dizes, de quando me conheceste, que ficaste com medo do branco...

então, lentamente, despi-me dos paramentos que trazia e encarei-te de frente.

já lá não estavas!

mais tarde por entre uma cortina de fogo disseste:

- deixei de ter medo, de ter medo de ti - podemos encontrar-nos agora?

eu acedi, mas o teu brilho encandeou-te (deixaste a treva por momentos mas já não sabes lidar com o teu próprio brilho esquecido no tempo - desistes sempre!)

despi-me novamente mas a cortina fechou-se...

sobre o branco despida ali fiquei... aninhei-me no meu corpo com a falta do teu e deixei-me ficar no silente momento das flores que me ofereceste...

sim! são brancas as flores que me ofereceste!
sim! lembram-me a tua face clara no meio do breu!
sim! não notaste ainda que o brilho de que te afastas é todo teu?

Ainda tens medo do branco?

(foto: lilya corneli - "dreaming of a heart")

segunda-feira, 2 de janeiro de 2006


é o som... o som do movimento que me incendeia a face do sonho

é o som... o som da face que não conheço do sonho que nem sequer ainda revejo por dentro no reverso do inverso do reverso irreversível...

sem fôlego já!!.....
estou sem fôlego já!!!

é o som... ouves?



zzzzzzvvvvvvvv......... zzzzzzzz vvvvvvvvvvvvzzzzzzzzzzzzzzzzz.......


zzzzzvvvvvvvzvzzvvvz zvzzzzzzzzz

.......
ssssssssssssssssssvvvvvvvssssssssssssssssssss..........
sssssssssssssvvvvvvvvvssssssssssssssssssssss

ssssssssssssss.....vvvvvv........sssssssssssssssssss

(o som do som do movimento do som)

é o som... o movimento que nem sempre reconheço...

(foto: elena retfalvi - "free fall")