quinta-feira, 31 de julho de 2008


varios 582, originally uploaded by sophiarui.

"a avó morreu..." - ouço do outro lado da linha
fico confusa
uma lágrima cai involuntária

ouço sem ouvir o que me vão dizendo.
desligo.

penso ter ouvido mal, tenho vontade de dormir um sono lento e fundo.
deito-me, tremo,
tremo e é verão - (parece que o inverno nunca passa daqui de dentro...)
deito-me tapada em cobertor antes de decidir coisas
(é díficil decidir coisas quando as coisas já estão decididas)

levanto-me
ligo outra vez para a minha mãe que me confirma o que já tinha ouvido
ligo-lhe três vezes seguidas
tento não parecer maluca


tento deixar a vida organizada
-ligo a patrões, a colegas...
ligam-me
tento organizar a desorganização
(arrumar uma vida que nunca foi nem vai ser arrumada)



Desmarco na agenda horas, minutos, para poder ter tempo para o que já nada o tempo pode fazer...

Meto qualquer coisa na mala para o dia seguinte,
para velar um morto não é preciso muita coisa:

uma camisa branca
um casaco preto
um desodorizante para enganar o odor da pele na morte que fica

vou a pé para o comboio
o caminho parece-me mais irregular
sombrio em pleno sol

na estação pico o bilhete que magneticamente me diz:
ULTIMA VIAGEM

até as máquinas falam o que não queremos ouvir...










(mãos de terra à terra retornam...
mãos de terra - última imagem que tenho de ti...)



F.H. - 1918-2008
descansa em paz

sábado, 26 de julho de 2008

cuidar dos mortos



há tão poucos braços para tamanha comoção
a lágrima contida para continuar a cuidar-te
até viveres...









(...talvez não seja agora tempo de bailar...)

(foto:sophiarui-"agarrar a luz")

segunda-feira, 21 de julho de 2008

terça-feira, 15 de julho de 2008

segunda-feira, 14 de julho de 2008


há noites em que envelhecemos tanto
que nem os anjos nos conseguem vir salvar















(foto:sophiarui - "um anjo passou pelo teu quarto")

sexta-feira, 11 de julho de 2008


"Augusta – Uma noite, assim sem mais nem menos, ele confessou que não suportava penetrar-me. Perguntei-lhe o que havia em mim de tão repugnante... Confessou-me que para ele eu seria sempre uma virgem, uma intocável, antes e depois do nascimento da nossa filha... E depois nada. O silêncio opressivo, outra vez, nós lado a lado na cama com os nossos cansaços de costas voltadas e não consegui extrair dele nenhumas outras palavras, nenhuma outra justificação...

Ângela – Há noites em que a Lua verga os nossos corpos. Fecho as cortinas. Deito-me na cama do quarto escuro sem ninguém. Aí aprendi a chorar. Chorar, eis algo que (...)nunca pediram ao meu corpo para lhes oferecer. Lágrima por lágrima. Não é a sua Lei.








não há refúgio neste quarto escuro"












(texto-nuno vicente - "renaissance - memória habitada a seis mulheres"
foto - francesca woodman - "scrivevo al contrario")


apetecia-me adormecer num sono fundo
tão fundo que pudesse para sempre lá ficar...







(sophiarui - "fronha ferida aberta")

ontem a morte passou por mim na rua
vestida de preto
cambaleante e desmazelada
com um carrinho sem rodas que arrastava
deixando marcas no pavimento

ontem de arrepio
acendi uma vela
vermelha. pingava, pingava
como se chorasse

ontem mais uma vez o de sempre
a morte à frente
e tu ali estendido sem nada poder fazer


(quanto tempo mais vou ter que te ver morrer?)



(foto:sophiarui - fotografia sobre imagem de josé afonso furtado)