no tempo em que os barcos eram de papel
éramos nós que fazíamos ondas com os nossos pés pequenos
e nelas embalávamos o corpo cansado de tanto correr e brincar...
de tanto rir e chorar...
trazíamos numa sacola a tiracolo, todo o tempo do mundo que íamos semeando em punhados por onde passávamos...
perguntavas-me tu então:
"- e os barcos? os barcos de papel não naufragam?"
e eu respondia-te com todo o carinho:
- os barcos de papel rijo amolecem no bater das ondas que fazemos com os pés...
diluem-se na água e seguem o seu curso rumo ao mar...
"- e não ficam tristes?"
- não querido, não ficam tristes porque se perdem no mar grande...
"- e não têm medo?"
- têm! têm muito medo! mas pensam:
agora o mar tem com ele os nossos sorrisos
e é feito das ondas que fazemos com os pés para amolecer os barcos
que eram nossos e que agora são dele
do mar...
e o mar é sempre tão grande...
tão maior do que nós que nunca se pode achar...
mas olha...
dorme agora pequenino, dorme como se estivesses a boiar...
no mar de papel... no mar grande de papel macio...
e tu ficavas mais descansado com a grandeza do mar...
como se sempre tivesses tido mais coragem do que eu...
depois, afagava-te os cabelos até adormeceres,
saía pé ante pé do teu quarto para não perturbar o sono livre, tão profundo!
(como o mar de papel)
apagava-te a luz do candeeiro baço para te devolver a escuridão...
(nunca te deixaria de luz acesa meu querido... só na escuridão se pode procurar a luz...
queria tanto que a procurasses quando "fosses grande"!!!)
só na espuma do mar revolto se encontram os restos de papel
dos barcos que naufragaram em nós...
(foto: aleksei pecknikov "untitled")
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