quarta-feira, 19 de julho de 2006


no tempo em que os barcos eram de papel
éramos nós que fazíamos ondas com os nossos pés pequenos
e nelas embalávamos o corpo cansado de tanto correr e brincar...

de tanto rir e chorar...

trazíamos numa sacola a tiracolo, todo o tempo do mundo que íamos semeando em punhados por onde passávamos...

perguntavas-me tu então:

"- e os barcos? os barcos de papel não naufragam?"

e eu respondia-te com todo o carinho:

- os barcos de papel rijo amolecem no bater das ondas que fazemos com os pés...
diluem-se na água e seguem o seu curso rumo ao mar...

"- e não ficam tristes?"

- não querido, não ficam tristes porque se perdem no mar grande...

"- e não têm medo?"

- têm! têm muito medo! mas pensam:
agora o mar tem com ele os nossos sorrisos
e é feito das ondas que fazemos com os pés para amolecer os barcos
que eram nossos e que agora são dele

do mar...
e o mar é sempre tão grande...
tão maior do que nós que nunca se pode achar...


mas olha...
dorme agora pequenino, dorme como se estivesses a boiar...
no mar de papel... no mar grande de papel macio...

e tu ficavas mais descansado com a grandeza do mar...
como se sempre tivesses tido mais coragem do que eu...




depois, afagava-te os cabelos até adormeceres,
saía pé ante pé do teu quarto para não perturbar o sono livre, tão profundo!
(como o mar de papel)

apagava-te a luz do candeeiro baço para te devolver a escuridão...

(nunca te deixaria de luz acesa meu querido... só na escuridão se pode procurar a luz...
queria tanto que a procurasses quando "fosses grande"!!!)

só na espuma do mar revolto se encontram os restos de papel
dos barcos que naufragaram em nós...





(foto: aleksei pecknikov "untitled")

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