"a avó morreu..." - ouço do outro lado da linha
fico confusa
uma lágrima cai involuntária
ouço sem ouvir o que me vão dizendo.
desligo.
penso ter ouvido mal, tenho vontade de dormir um sono lento e fundo.
deito-me, tremo,
tremo e é verão - (parece que o inverno nunca passa daqui de dentro...)
deito-me tapada em cobertor antes de decidir coisas
(é díficil decidir coisas quando as coisas já estão decididas)
levanto-me
ligo outra vez para a minha mãe que me confirma o que já tinha ouvido
ligo-lhe três vezes seguidas
tento não parecer maluca
tento deixar a vida organizada
-ligo a patrões, a colegas...
ligam-me
tento organizar a desorganização
(arrumar uma vida que nunca foi nem vai ser arrumada)
Desmarco na agenda horas, minutos, para poder ter tempo para o que já nada o tempo pode fazer...
Meto qualquer coisa na mala para o dia seguinte,
para velar um morto não é preciso muita coisa:
uma camisa branca
um casaco preto
um desodorizante para enganar o odor da pele na morte que fica
vou a pé para o comboio
o caminho parece-me mais irregular
sombrio em pleno sol
na estação pico o bilhete que magneticamente me diz:
ULTIMA VIAGEM
até as máquinas falam o que não queremos ouvir...
(mãos de terra à terra retornam...
mãos de terra - última imagem que tenho de ti...)
F.H. - 1918-2008
descansa em paz
quinta-feira, 31 de julho de 2008
sábado, 26 de julho de 2008
cuidar dos mortos
segunda-feira, 14 de julho de 2008
sexta-feira, 11 de julho de 2008
"Augusta – Uma noite, assim sem mais nem menos, ele confessou que não suportava penetrar-me. Perguntei-lhe o que havia em mim de tão repugnante... Confessou-me que para ele eu seria sempre uma virgem, uma intocável, antes e depois do nascimento da nossa filha... E depois nada. O silêncio opressivo, outra vez, nós lado a lado na cama com os nossos cansaços de costas voltadas e não consegui extrair dele nenhumas outras palavras, nenhuma outra justificação...
Ângela – Há noites em que a Lua verga os nossos corpos. Fecho as cortinas. Deito-me na cama do quarto escuro sem ninguém. Aí aprendi a chorar. Chorar, eis algo que (...)nunca pediram ao meu corpo para lhes oferecer. Lágrima por lágrima. Não é a sua Lei.
não há refúgio neste quarto escuro"
(texto-nuno vicente - "renaissance - memória habitada a seis mulheres"
foto - francesca woodman - "scrivevo al contrario")
ontem a morte passou por mim na rua
vestida de preto
cambaleante e desmazelada
com um carrinho sem rodas que arrastava
deixando marcas no pavimento
ontem de arrepio
acendi uma vela
vermelha. pingava, pingava
como se chorasse
ontem mais uma vez o de sempre
a morte à frente
e tu ali estendido sem nada poder fazer
(quanto tempo mais vou ter que te ver morrer?)
(foto:sophiarui - fotografia sobre imagem de josé afonso furtado)
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