quarta-feira, 15 de outubro de 2008
fazes um rasgo, e outro e outro
a lâmina tece estórias como se fossem linhas
escreve sulcos como se fossem palavras
a pele esburgada há pouco em silêncio cumpre o rito
ninguém teve culpa que a ave tivesse caído por terra sem rumo no teu quintal
por muito que te custe, o estomâgo ronca
e dá horas à soma dos dias de jejum forçado
ninguém teve culpa
pegas na cutela com a carga de um homicídio premeditado mas
há fomes que têm que ser abatidas antes que nos consumam e ardam cá dentro
incapazes de se circunscrever
largas pequenas gotículas, uma a uma
salgas as carnes rosto abaixo
e ditas os gestos que amparem o jantar humilde
lembra-te - ninguém teve culpa, ninguém teve culpa
que a ave se tivesse abeirado da bala em pleno ar
ninguém teve culpa
se te pedirem contas do sucedido
podes explicar ao advogado a legítima defesa, que a fome
é coisa que pode matar, e afinal, canja é sopa de gente pobre mais nada
caldo quente no prato esboucelado cedido pela vizinha
lembra-te - ninguém teve culpa, ninguém.
(foto:cyril auvity - "sacrifice")
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1 comentário:
curioso, ainda hoje passei por esta fotografia :)
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