sexta-feira, 3 de abril de 2009

a felicidade é uma questão hortícola

houve uma altura da minha vida em que eu pensava que a palavra derrota nunca existiria. nessa altura era gorda e passeava-me pomposamente com o meu orgulho por tudo onde era sítio. era ainda mais detestável do que sou agora e podem perguntar à vontade, como é que isso é possível?? (mais ainda???) mas juro-vos que não sei responder.

nessa altura "a minha entrada era a saída de muitos" e nessa entrada eu saía sempre ilesa a qualquer tipo de catástrofe.

a primeira vez que me lembro da morte foi a do meu avô. acho que a minha mãe estava grávida da minha irmã mais nova, e isso justificou para muitos o facto dela em pequena entortar os olhos até ao tutano e dizerem que tinha sido dos nervos acumulados pela minha mãe nessa altura. agora usa lentes de contacto e tudo está resolvido.

da segunda vez a morte foi mais rebuscada e levou-me a irmã mais velha, que eu amava de coração inteiro, e partilhava comigo um quarto exíguo no 2º bronx daqui da zona. mas eu não me convenci logo da derrota. era teimosa (ainda sou muito) e inchada de orgulho. talvez por isso mantivesse o porte enfartado que me caracterizou até há bem poucos anos. um pouco mais tarde, quando me apercebi melhor do sucessido (sou lenta na consciência) emagreci alguns quilos e soube (aí sim pela primeira vez) o que era a queda.

parecia que só a partir daí começava a perder coisas.

a identidade por exemplo, tive uma crise e depois tive muitas mais (ainda tenho).
a ingenuidade, por teimosia, só a perdi mais tarde. mas acho que foi desde aí que comecei a simular que ainda a tinha (o que é pior que perdê-la).

depois perdi uma tia e passado pouco tempo um primo de linha directa que era por acaso aquele que eu mais simpatizava.

perdi a minha madrinha que foi a pessoa que exageradamente mais me mimou e de quem eu fugia a sete pés (não gosto de demasiados mimos! hiaccc!!). perdi um colega da faculdade que era da minha idade e isso fez-me muita impressão.

entretanto perdi as contas às contas que a morte ia fazendo e percebi que ela me ronda desde sempre. desde os corredores da casa de onde fugi para me resgatar (será possível resgatar-mo-nos quando não nos temos?).
nessa mesma casa cuidei até morrer das minhas duas avós e percebi que a única distância entre mim e elas seriam alguns anos.

aprendi a ir perdendo.

perdi amigos que tinha, que não tinha e que julgava que ter.
perdi namorados (poucos...aliás 1 apenas...). flirt's (muitos - eu sempre julguei que eram namorados mas alguém me elucidou que não)

o meu acunpuntor diz que eu não tenho muito prazer na vida por ter a coluna torta e ser ligeiramente marreca. receitou-me uns chás e a leitura de alguns contos porno na net. eu até lhe dou uma certa razão pois simpatizo com a medicina chinesa. comecei então a ler algumas coisas muito mal escritas que eu pensava que não pudessem existir. (a vida abre-nos sempre horizontes mesmo que esses horizontes sejam limitados). tentei corrigir a "tortura" praticando yoga mas irrito-me sempre com a música ambiente supostamente agradável e não consigo relaxar. já tentei fazer em casa ao som de keith e de pj harvey mas a minha professora diz que não é muito ético (eu acho é que ela não os conhece). acho ainda que foi por essa mesma falta de ética que fui excomungada há uns anos e deixei de ser católica.

até seria budista não fossem os meus problemas de indisciplina com a carne e afins.

algumas pessoas dizem que eu tenho um karma muito pesado em cima, mas eu acho que é mesmo o meu corpo a pensar que ainda é gordo.

a semana passada perdi o meu pai, e acho que na semana anterior já tinha perdido o namorado e não sabia. (seria um flirt? não sou boa com conceitos.)

a minha mãe acha-me estranha. a minha irmã, seis anos mais nova, acha que devia "orientar-me" na vida, pois já tenho idade para isso, e que me estou a tornar numa hippie tonta. o meu cunhado opina que será difícil eu "arranjar um homem" devido ao meu ar "demasiado independente" - segundo ele isso assusta, e os homens não gostam de ser assustados! buuuuu!!

tenho uma grande amiga que diz que eu tenho traumas mas não sou traumatizada. nos tempos que correm, pelos vistos, isso é esquisito e devia tratar-me. todos devem ter um trauma, nem que seja o trauma de não ter traumas nenhuns.


enfim, posso dizer que a minha vida não é monótona e eu até sei fazer algumas escolhas: mudei de sintra para a rinchoa por causa de uma laranjeira e de um alpendre que dá para a serra. e com esta vista ao longe... longe... sonho um dia poder vir a ter uma horta de frutos biológicos (que está na moda e fica sempre bem)para sair finalmente do mundo, isolar-me e ser feliz!

5 comentários:

lapsus disse...

José Gomes Ferreira

(Na morte de Manuela Porto.)

Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite para o ritual do Grande Desfazer:
“Fulano de tal comunica ao mundo que vai transformar-se em nuvem, hoje, às 9 horas. Traje de passeio.” E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir à despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio. “Adeus! Adeus!”
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento, numa lassidão de arrancar raízes... (primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos...) a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen... como aquela nuvem além (vêem?) – nesta tarde de Outono ainda tocada por um vento de lábios azuis...

Vítor Mácula disse...

bem, não quero calar o silêncio que desvela mas sussurro-te que há umas semanas me morreu uma amiga, não é a primeira pessoa de mim que, não me habituo, deve ser parvoíce minha relativamente à desordem natural das coisas, tenho a certeza que é aliás, uma certeza desordenada que.

fiquei também na dúvida se não terei sido excomungado há uns anos sem ter reparado LOL

beijo fundo, mana

Kisa disse...

Oh miga! não tenho palavras para isto... que dias, que anos, que vidas...
Um abraço sem fundo, sem fim. Regressei há pouco, espero ver-te em breve.

bruno disse...

um beijo/abraço.
(só funâmbulos os que podem)
um beijo/abraço
(ainda)

Lisa de Oliveira disse...

imagino-te a escrever para teatro. pensa nisso com força. bjs