terça-feira, 20 de junho de 2006

pai


Quando me aproximo de ti cobres-me de preto

Enterras-me num segundo como só tu sabes fazer

Mergulhas os teus olhos sem visão no álcool

Olhos mergulhados numa espécie de formol

Olhos numa prateleira junto a tantos outros olhos já sem vida

Pergunto-te pela vida

Enterras-me

Tento desenterrar-me do lodo

Escrevo, escrevo, escrevo

Compêndios, cartas, missivas que nunca lês

- Falta-me a visão - dizes…

- Falta-te a coragem - digo…

Desenterro-me e peço-te que lutes

Enterras-me…
enterras-te comigo em covas separadas…
sempre separadas…

Conheço-te desde sempre… conheço-te por te encontrar num beco qualquer sem saída…

Peço-te que caves uma saída
no lodo, na terra, na lama…

- Luta! Luta! Luta!
Estou aqui para que lutes
Peço-te que lutes

LUTA!

Circula em mim o teu sangue,
depurado,
coagulado daquilo que foste…

-Porque é que desististe agora??? LUTA!!!

Dou-te a seringa do argumento
a seringa que precisas para ver…

Não te injectas
não consegues
tens medo

De falhar
de ficar sozinho…

Afastas-me com o argumento dos remorsos que terei quando deixar de ser quem sou…


-Quem sou eu pai?

Que nome tenho?

Que idade?

Que sabes tu de mim?

Olha para mim nos olhos pai!!!!!

OLHA!!!

- ESTOU CEGO CARAÇAS! SEMPRE ESTIVE!!!!!!!!

(2003)

(foto:bogdan jarocki "handmade")

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