Quando me aproximo de ti cobres-me de preto
Enterras-me num segundo como só tu sabes fazer
Mergulhas os teus olhos sem visão no álcool
Olhos mergulhados numa espécie de formol
Olhos numa prateleira junto a tantos outros olhos já sem vida
Pergunto-te pela vida
Enterras-me
Tento desenterrar-me do lodo
Escrevo, escrevo, escrevo
Compêndios, cartas, missivas que nunca lês
- Falta-me a visão - dizes…
- Falta-te a coragem - digo…
Desenterro-me e peço-te que lutes
Enterras-me…
enterras-te comigo em covas separadas…
sempre separadas…
Conheço-te desde sempre… conheço-te por te encontrar num beco qualquer sem saída…
Peço-te que caves uma saída
no lodo, na terra, na lama…
- Luta! Luta! Luta!
Estou aqui para que lutes
Peço-te que lutes
LUTA!
Circula em mim o teu sangue,
depurado,
coagulado daquilo que foste…
-Porque é que desististe agora??? LUTA!!!
Dou-te a seringa do argumento
a seringa que precisas para ver…
Não te injectas
não consegues
tens medo
De falhar
de ficar sozinho…
Afastas-me com o argumento dos remorsos que terei quando deixar de ser quem sou…
-Quem sou eu pai?
Que nome tenho?
Que idade?
Que sabes tu de mim?
Olha para mim nos olhos pai!!!!!
OLHA!!!
- ESTOU CEGO CARAÇAS! SEMPRE ESTIVE!!!!!!!!
(2003)
(foto:bogdan jarocki "handmade")
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