terça-feira, 10 de outubro de 2006

my story about Story










a história começa com um simples não escutar...

antes do mundo ser isto que somos
existiam os anjos que embalavam os homens nos seus regaços
enrolados no sargaço
entre a terra e o mar...

porém os homens deixaram de escutar
(um dia deixaram de se escutar)

e passado tanto tempo
tempo de muito calar
veio um anjo que não sabia bem ao que vinha
e emergiu de águas profundas

e tinha medo de ser anjo
tinha medo de ser o anjo

e conheceu um homem que nunca tinha chorado a morte dos seus
e um outro que tinha medo de escutar o coração das palavras que lhe ferviam lá dentro
e a irmã dele que ia ter sete filhos e não sabia
e havia uma mulher que decifrava histórias vindas de uma lingua estranha
e a mãe dela que só as contava a "crianças-homem"
(será que ainda existem? será?)

e havia de facto uma criança

e um grupo que fumava charros e falava do Luther King de vez em quando
e um homem sem originalidade que falava da falta de originalidade dos outros
e cinco mulheres histéricas que gritavam ao mesmo tempo
e um homem que não sabia que os seus olhos podiam salvar alguém
e outro que calado que ficava parado em entretém
e uma mulher com esperança, de que a esperança voltasse

e chegou o anjo
e o anjo caiu

não sobre as águas que lhe deram vida
mas sobre a terra onde por vezes morremos antes de morrer


não podemos andar escondidos
não podemos esconder os anjos por muito tempo...

e foi preciso que todos se calassem
para escutarem mais alto e mais fundo
a voz do anjo calado
a voz que ninguém antes tinha escutado

e foi preciso o anjo
o anjo a morrer, tão puro...

para que o homem chorasse
e um outro gritasse as palavras que o iam matar
e só iria ver dois dos sete filhos da sua irmã
e a mulher que decifrava histórias calou-se para as escutar
e a mãe dela lembrou-se de uma criança a brincar

e a criança era a única que sabia do que estava a falar

e o grupo olhou em redor e soube amar
o homem sem originalidade ficou perdido e não soube explicar
e as cinco mulheres histérias ficaram só a olhar
(mãos unidas, tão fortes...)
e o homem salvou com os olhos aquela que o ia salvar
e o homem calado pela primeira vez falou
e a mulher agarrada à esperança, esperou... esperou...

e só na morte o anjo conseguiu regressar
ao mar de onde viera
ficando na memória da terra
que veio a medo resgatar


estou a falar-vos de uns olhos
ou de um gesto
ou do timbre de uma voz
ou de um simples acenar

nem sequer sei bem do que estou a falar
só este sentir cá dentro...

não podemos andar escondidos
não podemos esconder os anjos por muito tempo...

anjos vestidos com paramentos humanos
anjos com sabor a (a)mar...

(foto: a actriz Bryce Dallas Howard no filme "A Senhora da Água")

2 comentários:

Yakunna disse...

muito bonito!!
adorei
ate logo! :)

rota_aérea disse...

... soa-me a... esperança(?)...invulgar ver disto por aqui de uma forma tão transparente...

(ou sou eu que vi tudo mal?)

acho que podemos esconder anjos uma vida inteira... e às vezes confundem-se-me as ideias do que é melhor fazer...