quinta-feira, 29 de dezembro de 2005
quinta-feira, 22 de dezembro de 2005
Desculpa se me escuso a tocar-te...
... e deixar-me tocar...
neste momento não teria pele suficiente para saciar-te...
e se me trincasses o sangue saber-te-ia a um amargo estranho...
(talvez carne envenenada)
quero que primeiro me toques (não me tocando)
quero que primeiro me beijes (não me trincando)
quero que primeiro me vejas sem o brilho com que me estás vendo
quero que primeiro me abraces... sim sente-me tu primeiro!
(foto:bogdan jarocki)
segunda-feira, 19 de dezembro de 2005
quarta-feira, 23 de novembro de 2005
eu vejo em ti um poço de sentidos... oculto... tapado com uma grande tábua rasa confundida...
Sabes...
eu vejo em ti mil possibilidades multiplicadas por outras mil que desconheço, que não consigo sequer avistar!
Sabes...
quando me deito ao teu lado, e te olho o rosto parado e quieto vejo o tumulto das águas (lá dentro incendiadas de raiva) água quase a secar...
... e a tez branca de medo... gotículas de água na tua testa sonâmbulamente agitada
sabes?...
Sabes... quando te vejo encostar a mão sobre o peito pareces querer agarrá-lo, esmagá-lo, trocá-lo de sítio, de posição... e...
sabes...
quando toco por fim a minha mão na tua sinto-a fugida, largada, perdida...
sabes...
quando te encostas nas minhas costas, deitado...
o corpo já perdido tocante, pedindo quente... posição fetal... o teu braço sobre mim...
sabes...
quase nunca fazes isso...
sabes?...
...tenho tanto quente para te dar...
deixa cair a tábua!!
deixa-me mergulhar no teu poço!!!
mergulhar... sabes?...
no teu poço... sabes?...
... mesmo que não saibas ao certo...
sabes?...
que te amo...
sabes ...
mesmo que tábua continue lá... sabes...
... no poço... no mais fundo de ti...
(foto: bogdan jarocki)
sexta-feira, 18 de novembro de 2005
Às vezes não sei que idade tenho...
tenho a vaga ideia de que nasci há séculos... não porque me sinta velha mas porque não sei que sinta...
relembram-me a passagem dos anos sob o pretexto de formas... e não sei que forma tenho...
relembram-me a ideia do tempo e não sei de que tempo falam...
relembram-me a morte da vida mas não consigo ter a vida sem morte... (de mim talvez...)
27/4/05 13:24
(foto: angelle)
Não quero que me abraces...
Já disse que não quero que me abraces!!..
Porque as trevas habitadas são os corpos tocantes, as harpas violentas do desejo, o rasgo de luz momentâneo que se quer luz eterna...
Já disse que não quero que me abraces...
Não quero que me abraces se não prolongares em mim a sede, a fome e o sangue que me corre nas veias latejantes
Não quero que me abraces se não quiseres abrir as portas e atravessar de novo o grito que é todo teu, que é todo meu (e que eu queria secretamente nosso).
Não quero que me abraces se não quiseres arrancar as linhas das mãos (das nossas mãos confusas) arranca-las à força como cordas de harpas, só para podermos tocar uma última melodia... soturna... irremediávelmente imersa na morte secreta de cada um de nós...
Não quero que me abraces...
Já disse que não quero que me abraces!!
(...porque só quero abraçar-te!! nada mais...)
30/4/05 11:47
(foto: angelle)
E para que querias tu os meus olhos encastrados nos mapas da memória se não lhes notarias o brilho...
Há muito que te espero de mãos frias e agora vejo que nem as notas em cima das tuas, descansadas no leme à espera de rumo.
Bebo o vinho para que notes o quente, para que olhes para o farol no momento certo em que se vira e nos tinge as pupilas atordoando-nos de uma luz logo mergulhada em treva... nessas alturas sinto sempre que o farol parou no movimento intacto de se fazer notar de um outro lado que não o nosso.
Estou cansada de esperar...
pedes-me uma última vez que me cale porque sempre ouviste dizer que no silêncio a carne murmura mais forte qual maré em tumulto à espera de ter paz.
Nunca te disse uma só palavra, não conheces o tom da minha voz, e por isso nunca aprendeste a língua do meu país.
Digo-te novamente em silêncio que estou cansada de esperar...
Esperar pela carne que não cede.
... esperar pelo vinho que não embriaga nem aquece.
Estou farta de esperar por ti!
Estou farta de ti!
farta!!!(meu amor)
e o porto de chegada é sempre longe... dos mares que não são de cá!
e os marinheiros novos... esses... estão sempre no alto-mar, desfazendo as rosas que outrora me trouxeste...
13/5/05 12:49
(foto: cig harvey)
quinta-feira, 17 de novembro de 2005
acerca dos demónios
G. - "é perigoso amestrar demónios. é mais perigoso ainda não os amestrar."
S. - os demónios são uma "espécie" que anseia pela extinção... e que completamente extinta nos torna verdadeiros demónios de nós próprios... (outros demónios)
um demónio pode desdobrar-se, dar origem a outros...
um demónio pode de facto extinguir-se, ou pode nascer sem darmos conta...
pode ter nome ou ser inominável...
podemos amar demónios ou odiar demónios em nós...
pode até ser uma espécie de escuridão camuflada de luz...
ou uma luz camuflada de escuridão...
os demónios sempre existirão na fragilidade preemente de querermos ser anjos...
os demónios estão presentes em todos aqueles que querem extinguir-se a si próprios para se alcançarem plenamente...
Sem nos apercebermos vamos alimentando estes demónios cuidadosamente, lentamente...
consumindo-nos da própria forma de os alimentar...
até termos a coragem de os olhar de frente, de os reconhecer...
de olhar para uma espécie de "reflexo na água" que se desfaz mal o tocamos
já não somos nós...mas somos nós ainda...
somos nós diferentes...
somos nós mais completos porque deixámos de ser...
porque matámos os demónios de nós...
3/5/05 10:02
(foto: arnauld joubin)
segunda-feira, 14 de novembro de 2005
"Não somos feitos para ser criaturas de luz, mas para dar significado à escuridão."
in, www.ribeiranegra.blogspot.com
(foto: angelica)
ROT
"Para que não te percas, leva um dos meus olhos.
Que esta corda, que tu pintaste de vermelho, há-de atar-me à carruagem de ferro, à carruagem - a da corda - que desgovernada atravessa este inverno tão lento, tão de ferro.
Não há sereias, os perigos estão mais próximos.
Ouves? ouves como o vento insiste nas portas?
O que os teus dedos desenharam sobre o vidro eu não apaguei. E não apaguei o perfume. E não apaguei a canção que nunca levámos até ao fim.
Ouves? ouves como ainda cantam os degraus?
Vermelho, vermelho tudo o que nos faz parar a meio das avenidas!
Pensei que houvesse um lugar para escavar, uma ferramenta arcaica para trabalhar os materiais inflamáveis. Vermelho, vermelho! Garganta em chamas! Tudos nos chegou à custa de pele e víscera, papel e víscera, noite e víscera.
Todas as cartas importantes debaixo das camas, todas as canções importantes chegaram a meio do sono geral, todos os sinos se fundiram à meia-noite e à meia-noite escorreram incandescentes sobre muros brancos. Vermelho, lava, vermelho!
Ouves? ouves como não param de soar as doze badaladas - surdas, mínimas?
E agora tu apontas e dizes: luna calante. E agora eu canto e tu dizes: voce calante. Vermelho, ah essas avenidas que nos descem pelos braços e desastres nos dedos! Toca-me, toca-me incandescente, toca-me delírio de metal, toca-me pelos corpos que arrefecem sem regresso, toca-me, vermelho, vermelho!
Ouves? ouves como te toco e me tocas quando os leopardos correm de olhos acesos?
Está aqui o revólver. São balas de vidro para as tua mãos. Não te arrependas.
Ouves? ouves como continua o fuzilamento das sombras?
Mas tu és o Sol! E eu, o espaço e o calendário.
Vermelho, vermelhos.
Ouves? ouves a canção que não acaba nunca?"
in, "A prisão e paixão de Egon Shiele" de Vasco Gato
(foto: filipe lamas)
sexta-feira, 4 de novembro de 2005
segunda-feira, 31 de outubro de 2005
(...)Tinha pensado na tristeza, esta que eu vivo neste momento. Com tudo o que eu te digo, por mais voltas que dê à minha vida, vou parar aos mesmos lugares. O medo é o mesmo. O meu mal é projectar-me para além daquilo que eu imagino poder viver. Estou sempre a ver mais fundo e a compreender de modo grotesco a simplicidade que a vida me tem reservado. É o meu pensamento a destruir os belos caminhos da felicidade. Deixa-me dizer-te uma coisa: vou desistir. Não vivo sozinho e nunca havia pensado nisso. Tenho de olhar também para os outros e reconhecer-me no amor que eles têm para me dar.
Fernando Esteves Pinto
in, "Sexo Entre Mentiras"
foto: angelica
Os dias de Outono terminavam assim...
Eu ainda vestida com os trapos do Verão, encostada a uma parede qualquer de olhos fechados.
O Sol ainda quente temperado com a brisa fria da maresia
Os cabelos pegados ao corpo
o corpo encostado à parede quente
o corpo ainda quente
o Sol ainda quente
a parede ainda quente
eu encostada à parede ainda quente
de olhos fechados no quente do quente que só existe no Outono
no terminar dos dias de Outono
o quente do frio singular do Outono...
Continuo de olhos fechados
a camisa aberta
o Sol entrando lentamente no peito compensando-me da ausência constante de ti
De ti, que és o frio no que de mais quente há em mim...
(foto: cig harvey)
quarta-feira, 26 de outubro de 2005
sexta-feira, 21 de outubro de 2005
eu ia emagrecendo na falta de ti!
o corpo cansado e enfraquecido suplicava-te pelo fruto (outrora somente de desejo) agora de uma necessidade incontrolável de prolongar a vida! (só mais um pouco de vida...)
Tu não percebias isso!
Escondias o meu único alimento por detrás das costas... e não falavas!
nunca falavas comigo!
parecias dizer:
-vem! vem buscá-lo! não sei oferecer-to!
Ao príncipio pensei que o teu silêncio era apenas uma ausência de palavras e que um dia saberia comunicar com ele!
Neste momento o teu silêncio é um grito que eu não sei apaziguar...
...um grito que me ensurdece por dentro, que me faz analfabeta na tentativa vã de escrita de sentimentos teus...
suplicas-me por víveres sem saberes que o que tens atrás das costas é o meu (nosso) alimento!
reclamas compaixão trocando as letras com que o dizes, soltando ruídos ocos e imperceptíveis!
Peço-te desculpa, grito-to que não percebo!
Peço-te que me repitas o que dizes!
Quero entender-te!! (grito)
QUERO ENTENDER-TE!!!! (o meu grito solta um eco que nem sequer já eu reconheço)
percebo por momentos que tens fome, e aponto o caminho para o fruto que escondes!
tento esgueirar-me á tua frente para que o vejas- só para te explicar! (queria tanto explicar-te...)
digo que será ele alimentar-nos! Ainda que fraca aceno-te! levanto os braços, abro as mãos... mantenho-me a custo de pé...
Soltas um grito ainda mais profundo e sucumbes à minha frente!
tinhas o fruto nas tuas mãos!
tinhas o fruto nas tuas mãos, meu amor!
tinhas a vida prolongada à tua frente!
Vejo-te no chão e perco as últimas forças que me restavam!
Vou morrer de fome...sei!
vou morrer na fome de um fruto que caiu das tuas costas e jaz também agora à minha frente!
Ao lado do teu corpo silencioso enfim!
(foto: cig harvey)
quinta-feira, 20 de outubro de 2005
primeiro pensei que tinha comprado o ornamento errado, que existiria por aí algum espelho em que me revisse!
Todos os que comprei me foram indiferentes! Nunca consegui encontrar-me!
Tentei vários formatos, tentei enbaciá-los, lavá-los com sal (dizem que torna a imagem mais pura);
conformada desvio-me, passo rápido, acerto pontualmente as tintas negras com que pinto os olhos mas temo olhar-me directamente com medo de não existir de facto (queria por vezes não querer o não existir) ...
no desespero por vezes ajoelho-me, oro, peço para desejar não ser minha, para que o espelho seja só uma miragem mesmo daquilo que nunca conhecerei completamente! Neste espelho! em tantos espelhos! aqui a minha imagem é sempre inacabada e frágil! Sou eu ali no reflexo sem nunca ser a Verdadeira imagem de mim!
(foto: cig harvey)
sexta-feira, 14 de outubro de 2005
Fiquei petrificada!
Não sei se da queda se do espanto
se da espera se do pranto...
Fiquei imóvel à espera num banco de pedra
(pedra sobre pedra... este eu sem mim num banco por aí...)
Agarrei um fio de vida fino, quase imperceptível
e as mãos frias de quedas que ficaram
como o banco onde espero (tanto tanto...)
como a pedra edificada nesta constante ausência (não sei bem de quê)
por cima esvoaçam ramificantes raízes de medos que perdi...
aos meus pés um chão demasiado frio para ser eu...
... e as mãos... as mãos... sempre agarradas a uma réstea ténue.... a um fio de vida... à espera que aqueçam num entretanto... que a paz venha por fim...
(foto: angelle)
terça-feira, 4 de outubro de 2005
"(...) existe um apego que ao longo da vida se estreita como um círculo de metal, e quanto mais a juventude passa mais forte ele se torna. Nós os dois chamávamos-lhe "o toque do corpo", porque já não é sequer um abraço, é aquele hábito, dos que sempre dormiram juntos, de se encostarem um ao outro antes de adormecer, uma recombinação química do calor de cada um. E para dormirmos bem basta-nos apenas o toque, a vírgula de um cotovelo ou outra mais macia, de uma anca. É no momento de ir para a cama que se vê se um casal é unido. Aquele que adormece enquanto o outro gira ainda pela casa não só envelheceu como também já se esqueceu da juventude. Depois de ela morrer passava as noites sentado no maple e nem chegava a passar pelo sono. Se algumas vezes adormeci foi de dia, com a luz forte, aquela luz que alivia um pouco o cansaço."
(foto: haemoglobin)
quinta-feira, 29 de setembro de 2005
a aprendizagem da felicidade
deviamos aprender desde pequenos acerca da beleza...
acerca da beleza que a própria fragilidade pode conter...
acerca da felicidade...
porque a felicidade é também uma escolha...
que se aprende...
devagar...
lentamente...
com a beleza do que fomos, do que somos, do que podemos vir a ser... (ou não...)
devíamos aprender desde pequenos certas coisas...
mesmo aquelas que nunca poderemos vir a aprender... (aqui...)
(foto: angelle)
sexta-feira, 23 de setembro de 2005
retrato inquebrável
reencontro-te sempre nos destroços de mim!
Sorris-me e dizes-me ao ouvido: "Até breve!"
depois soltas uma gargalhada profunda e contagiante e sais a correr num vestido branco que esvoaça até se perder de vista...
é engraçado...
...só me lembro de te ouvir "gargalhar"quando ainda éramos crianças e "ninguém estava morto" (por dentro... por fora)
Dizem que quem morre jovem permanece jovem eternamente...
Guardo cá dentro o teu retrato... emoldurado no que deixaste em mim!
(foto: angelle)
o dia em que morreste para te sentires viva
Vigiávamo-nos mutuamente...
eu para que vivesses
a mãe para que continuasses viva
tu para que te deixássemos morrer
fingiste dormir
querias dormir eternamente
acreditámos que dormias só por instantes
levantaste-te em surdina
escolheste a hora da troca
(eu e a mãe fazíamos turnos para te vigiar...tu sabias...)
calculaste a hora!
nesse dia cheguei tarde
nesse dia a mãe partiu cedo
(mentiras com que nos enganamos ainda hoje)
para ti era tarde demais para ser cedo
(ainda sentimos a culpa de não saber se devíamos chegar ou partir)
escolheste aquela linha... um caminho...
(tinhas escolhido vários e nunca resultara - será porque te vigiámos sempre?)
encostaste o pescoço junto ao ferro...
(deves ter sentido o chegar da morte
deves ter sentido o chegar da vida)
o comboio passou...
descobrimos que se chega sempre tarde
e que o longe é sempre perto demais
lembro-me de um punhado de terra que te lancei na campa
e todos os dias vejo na mãe a lágrima que nunca cessa!
(foto: luís ferreira)
sábado, 17 de setembro de 2005
"Silêncio. Gostava de conseguir um grande silêncio. Por fora e por dentro. Grande e profundo como a morte. Um sono absolutamente branco. E um dia ser despertada por um pingo de sol. E voltar limpa a fazer tudo de novo.Tudo. Ser em cada momento do tempo o fim e o príncipio de tudo."
terça-feira, 13 de setembro de 2005
a terra que vem de ti
Irrompeste da terra como uma flor inesperada que ainda não conhece as suas próprias raízes...
(estive encostada ao chão durante muito tempo tentando escutar-te... nunca te ouvi... e quase adormeci ali ao relento... )
Quando irrompeste senti o odor da terra molhada
do Outono... da minha casa...
conheci-te no Verão com um calor imenso
e isso é estranho ...
porque sempre tiveste esse cheiro...
desde aí que rego a terra para que não perca esse odor...
(foto: ernesto timor)
quinta-feira, 8 de setembro de 2005
sexta-feira, 2 de setembro de 2005
o jogo
segunda-feira, 29 de agosto de 2005
segunda-feira, 1 de agosto de 2005
Alguém disse
Alguém disse que hoje o dia deixaria a palavra finito...
Alguém disse que a unidade não existe e que a eternidade é Alta demais para se alcançar...
Quebrou-se o silêncio com as águas geladas do vazio solidificado
o respeito deixou de existir por minutos contados ao relento, num desmaio que não se sabe quanto tempo dura
que venha a mágoa mas que o vento a leve...
Se alguém quiser dizer agora alguma coisa peço apenas que se cale...
Quero um silêncio desabrigado mas quente!
Quero que o sol venha mesmo que seja noite!
Amanhã o dia derretido saberá ainda a pouco...
a ideia de que alguém imprescrutável existe lá!
...não se sabe onde, nem quando, nem como..
o vazio solidifica-se na sombra do inesperado...
pedra de gelo difícil de derreter no mio do frio...
onda que embala o vento numa maresia de negro
(Junho 2005)
quarta-feira, 13 de julho de 2005
Embriaguez
Eu fujo da embriaguez da carne
Talvez separados consigamos prescrutar melhor um fim
quinta-feira, 30 de junho de 2005
o tempo
de que é feito um pedaço de minuto, das horas, da vida, do inefável...
Mergulho no tempo
No tempo do tempo
No tempo que não tem tempo e no "tempo que o tempo tem"
Solta-se a lenga-lenga de infância:
"o tempo perguntou ao tempo:
-Quanto tempo o tempo tem?
e o tempo respondeu ao tempo que:
-o tempo tem tanto tempo quanto o tempo o tempo tem!"
e, eu ainda não sei de que é feito o tempo...
Sei apenas que tenho todo o tempo do mundo e que não tenho comigo tempo nenhum... (porque o tempo não é nosso...)
Sei que não o sei dividir, nem sequer transportar num dos pulsos que tenho em mim...
Faz-me confusão o tempo que se perde... porque nunca se perde o tempo mas também nunca se encontra...
o tempo...
Também nunca se acha o tempo mas às vezes descobre-se...
o tempo...
ali... além...
E às vezes o tempo é beleza... a beleza que não se pode de facto tocar por não termos tempo... aqui... além...
tempo de quê?
tempo de quem?
tempo... tempo...
e o tempo leva-nos por aí, até chegarmos ao finito... até chegarmos ao infinito... (talvez com o tempo o façamos...talvez...)
e o tempo leva-nos até não conseguirmos ver o finito e o infinito do tempo... porque o tempo não se vê...
mas sente-se...
às vezes sente-se o tempo...
quando olhamos para o espelho e não nos vemos (o tempo faz com que nunca nos queiramos ver de facto ao espelho... transparentes... - precisariamos ainda de mais tempo...)
e quando olhamos para o relógio conseguimos sentir o compassar do tempo...
o toc, toc, toc que às vezes se entremeia com o toque que temos cá dentro....
toctoctoctoctoctoctoctoctooooooooooooooooooo (cá dentro)
e já não sabemos distinguir um do outro
nem o tocar do tempo
nem o tocar do peito
nem o tocar da alma
por nunca sabermos (nunca mesmo nunca sabemos...)
"quanto tempo o tempo tem"
segunda-feira, 27 de junho de 2005
A via trocada
Cortaram-te o caminho pelo lado esquerdo
a via esquerda...
Dizem-te...
-circule sempre pela direita...
e tu que teimas em ir devagar pela via proibida recebes um clarão dos farois dianteiros de alguém que não conheces...
Buzinam-te, fazem-te sinais duvidosos que vês pelo espelho retrovisor
Porque é que me cortaram o lado esquerdo?
Porque é que eu não posso circular lentamente por aí? - perguntas-te
- é proibido amar...
ficar louco de desejo mas ir devagar!
- ou vais depressa ou és encandeada - são as regras do jogo!!!
-Não percebes que existem timings????
que só se passa para um outro lado num momento sempre efémero???
que a melhor maneira é espatifares-te contra as barreiras do equílibrio???
-já não tens tempo!!!
- és estranha, lentamente estranha!!
- não circulas em tempo real e esta via não é para ti!
As vozes calam-se...e tu que erraste a norma, deixaste por ora de conduzir a tua vida!
sexta-feira, 20 de maio de 2005
quinta-feira, 19 de maio de 2005
terça-feira, 10 de maio de 2005
quinta-feira, 21 de abril de 2005
Equívocos
estarmos tão livres que pudéssemos ser absolutamente claros;
estarmos tão claros que pudéssemos ser uns e outros sem nunca ser equívocos"
Jacinto Lucas Pires
sexta-feira, 1 de abril de 2005
a janela
e a lonjura dos teus olhos fizeram-me sonhar
sonhar que havia um mundo para além
sonhar que um dia eu deixaria de ser ninguém
na minha janela
deixei de te ver ao ver-te
(ver-te com ela da minha janela)
e os olhos outrora belos se turvaram
não por serem baços
não por se firmarem
mas porque a verdade nem sempre trás com ela o mar da minha janela
e em silêncio os sonhos se ficaram
a maresia voltou a entristecer
e os teus olhos agora desvitrificados deixaram-me cadáver
ainda antes do anoitecer
ainda antes da morte me deixar morrer
continuo a tentar ver-te da minha janela
não para que me apareças nela
mas para que a beleza voltasse a permanecer bela
e o sol... o sol da minha janela voltasse a unir-se ao mar
a fazer-me sonhar nos longos traços da lonjura inicial
como se da morte surgisse a Luz primordial
e eu voltasse a ver de facto o mar
o mar que de lá de longe me chama de novo a amar
o mar que antigamente se via da minha janela
quinta-feira, 31 de março de 2005
a escada escura
o incontornável som da madeira rangente
os bichos que a corroem no silêncio
não acendo a luz
(nunca acendo a luz com o desejo secreto que me descubras no breu)
vou desfazendo a escada a cada subida
a cada descida
a cada passo
o esmigalhar lento como a uma espécie de bolacha
farinha que vou deixando como um rasto
chego ao patamar emprestado
alugado à pressa para se poder viver
estás sentado à minha espera
pergunto-te: porque me esperas?
respondes: "porque é (sempre) útil" esperar-te!
sou ali mesmo o pedaço de chão que esmigalhei há instantes
o vão de escada
(em vão...)
sábado, 19 de março de 2005
Digestão curta
Digere-me aqui no meio do restaurante
Onde me ofereceste um cardápio bafiento de tasca mal frequentada
(Seu cabrãozão de meia tijela... de pós refeição semi-digerida-penso)
- Que refeição pretendes tomar caro senhor?
Cozido... Frito... ou guisado?
- Hum... deixa-me pensar...pensar... pensar... esquematizar...
bom.. o tradicional e do costume...
(- A que soube a carne lenta da memória incerta hã???? TOU A FALAR CONTIGO CABRÃO!-digo em silêncio - com os olhos brilhantes)
Digere-me...
cega-me com um garfo...
corta-me em pedacinhos a menina dos olhos
Devora a polpa com uma colher de sobremesa mal lavada ainda com resquícios de chantilly
tem a coragem de me provares...
de saciares a tua barriga de padre excomungado
o empregado pergunta:
- Já pediram?
E tu agoniado com uma sobremesa que não pediste vomitas em cima da mesa...
-Isto não são maneiras! ainda podem pedir mas não troco a toalha! - diz o empregado
Sais do restaurante semi-curvado a quereres vomitar as próprias entranhas...
As claras do chantilly tinham a sicuta dos gregos antigos... lembras-te?
Despeço-me do empregado agradecendo a refeição que não experimentei
Sigo em direcção à saida como se me lembrasses o caminho desde o início...
Mesmo cega não tropeço, sigo hirta... firme...
deixaste-me um rasto de odor tão intenso... que o caminho é fácil!
Estás cá fora a espumar a sobremesa - cheiras a podre misturado com vomitado...
Pergunto-te - estarás pronto para o jantar?
Já marquei a mesa
terça-feira, 22 de fevereiro de 2005
Esta rua
E entre os novos passam carros muito velhos
E passam pessoas...
E passam pessoas velhas
E passam pessoas novas
(menos velhas do que novas)
As velhas passam cansadas
e as novas passam e não se sabe muito bem como estão...
Passam pessoas...
Passam namorados
Apaixonados, enamorados ou até zangados
Passam namorados agarrados
passam namorados afastados
e passam rapazes que puxam as raparigas arrastando-as
e passam raparigas amuadas com namorados seguidistas olhando para o chão
Será que se amam?
Será que não?
E passam crianças que floriram ainda na última Primavera
E riem ao Sol...
Não percebem ainda que os carros novos têm novas letras
e que os velhos estão prestes a parar
e que quando forem "grandes" escolherão talvez também esta rua para namorar.