mesmo que me dissolva na água
que saia de mim como um esguicho
que me retenha num copo
ainda que transparente
terei somente
hoje e sempre
esta cor de manchar
será que um dia vai mudar?
Será que me Vês assim?
(isto que sinto...)
carne prestes a rasgar
quietude inerte
olhos fechados
inchados
abalados muito adentro
do dentro
do centro...
de Ti...
façam-me o que quiserem
removam-me os restos mortais
atirem-me para uma campa
transformem-me em cinza ardente
lava incerta
magma a estalar
(esta terra...)
vou ficar calada
muda
queda
em tom de resvalar
em tom de deixar soar
apenas a carne aberta
da ferida que em vez de curar desperta
corpo (não sei já se) meu
harpa exsangue
vasos pregados no madeiro
artérias sonantes
ao toque das mãos
das Tuas mãos já feridas
esburacadas
sofridas...
(toma as minhas-são só isto!)
Ouve-se uma música frágil
Será a harpa feita do Teu madeiro?
Serão as veias tocadas pelas Tuas mãos?
Um dia talvez Te dê... (Oh Deus!)
o meu grito inteiro...
e golfadas de sangue jorrarão!
Até lá fico quieta
carne rasgada
ferida aberta
muda
calada
queda
não tenho forças já...
(foto: lilya corneli- "lost gravity 5")
ando cansada sabes...
há anos que me deito nesta banheira cheia de mim
deste sabor a sal que me conserva submersa
quase ilesa quando saio por enxugar
não te posso prometer o mar
porque estou confinada a esta banheira
limite do que sou
não tenho águas limpas que te deem força
ou um rio imenso a correr constante
sem o variar das estações
não te vou enganar...
mais não posso fazer do que molhar-te ainda mais
do que agitar as águas aparentemente calmas
da banheira
desta banheira branca
estou cansada sabes...
precisaria de coragem para abrir o ralo
deixar a água sair lentamente
cabeça
pescoço
ombros
barriga
pernas
últimas gotas a sairem-me pelos pés
até ficar vazia
seca
e depois...
depois esperaria que o ar me comovesse para além da pele
que as gotas evaporassem em redor de mim
e aí deixaria que fosses tu a abrir a torneira inchada
ferro preso da memória
ando cansada sabes...
VOU ABRIR O RALO!!
VEM!!!
(foto: marilia campos - "sem título")
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josé tolentino mendonça (foto:autor desconhecido - "manicomio de conxo") |