terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Let the show begin
It's a sorry sight
Let it all deceive
Now I'm
Pains in me that I've never found
Let the show begin
Let the clouds roll
There's a life to be found in this world
And now I see it's all but a game
That we hope to achieve
What we can
What we will
What we did suddenly
But it's all just a show
A time for us and the words we'll never know
And daylight comes and fades with the tide
And I'm here to stay
But it's all just a show
A time for us and the words we'll never know
And daylight comes and fades with the tide
I'm here to stay
(beth gibbons & rustin man - "show")
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
"raining cats and dogs"
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
domingo, 14 de dezembro de 2008
acção de graças
agora tenho a certeza que eles existem
passam por nós
e dão-nos a oportunidade de vivermos, uma vez mais
sete vidas têm os gatos...
nunca saberemos quantas estão destinadas a cada um de nós...
"vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora..."
mat. 25:13
domingo, 7 de dezembro de 2008
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
"Há uma religião de que não se fala nas igrejas, o amor pelas pedras e a terra, as plantas e os animais, os livros e os barcos. É uma ideia estranha, quase irónica, mas talvez eu tenha amado demais.
Ele costumava dizer que eu não tinha o dom de amar, como certas pessoas não têm o dom de fazer crescer uma planta (...)
Eu gostei de Max pelo seu aspecto e a sua casa, e a sua forma de beijar, e a primeira memória de lilases, e as pinturas de El Greco... Eu amei-o como só um ser maldito pode amar outro ser maldito (...)"
(ana teresa pereira - "o verão selvagem dos teus olhos"
foto:druid - "picture")
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
domingo, 2 de novembro de 2008
sintra é semelhante a bruges
being in fucking bruges"1
"toda a beleza é terrível"2
(1- do filme "in bruges" de martin mcdonagh
2- Teixeira de Pascoaes disse: "todo o anjo é terrível"... ele sabia... ele sabia...)
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
"Hit her with a hammer
Teeth smashed in
Red tongue twitching
Look inside her skeleton
My fingers sting
Where I feel your fingers have been
Ghostly fingers
Moving my limbs
Oh God I miss you
Oh God I miss you
Oh God I miss you
Oh God I miss you
Oh God I miss you
Daddy's in the corner
Rattling his keys
Mommy's in the doorway
Trying to leave
Nobody's listening
Nobody's listening
Nobody's listening
Nobody's listening
Nobody's listening
Nobody's listening
Nobody's listening
Nobody's listening
Oh God I miss you
Oh God I miss you
Oh God I miss you
Oh God I miss you
Oh God I miss you
Oh God I miss you"
(letra: p j harvey - "the piano lyrics"
foto: não identificada)
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
i'm a ghost story
eu costumava morrer por acidente. entendam:
eu não sabia o que eram corpos desabotoados.
eu tinha sentimentos exactos e caía em poços
que não vinham nos meus mapas de algibeira.
agora caminho acompanhado por quem partiu
e abandono-me metodicamente a cada desastre.
(texto: pedro jordão
in, revista criatura nº2
foto:laika - ".")
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
claro que se tem medo que alguém nos entre pelos olhos.
mas podes arder. para a tua temperatura sou mercúrio, linhas da mão, lábio e sopro. atravesso-te porque me atravessas e onde somos corsários rendemo-nos ao encanto da devolução.
tu e eu à espera de um lugar que vai fechar tudo numa árvore.
aqui onde os minutos são a rua em que nos sentamos toda a tarde à espera do silêncio, onde o teu corpo pesa a medida exacta do meu desejo.
sou um animal. necessito diariamente da transfusão de uma enorme quantidade de calor. tocas-me?
(in, " a paixão e prisão de egon schiele" - vasco gato
foto: ailine liefeld - "room stories")
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
fazes um rasgo, e outro e outro
a lâmina tece estórias como se fossem linhas
escreve sulcos como se fossem palavras
a pele esburgada há pouco em silêncio cumpre o rito
ninguém teve culpa que a ave tivesse caído por terra sem rumo no teu quintal
por muito que te custe, o estomâgo ronca
e dá horas à soma dos dias de jejum forçado
ninguém teve culpa
pegas na cutela com a carga de um homicídio premeditado mas
há fomes que têm que ser abatidas antes que nos consumam e ardam cá dentro
incapazes de se circunscrever
largas pequenas gotículas, uma a uma
salgas as carnes rosto abaixo
e ditas os gestos que amparem o jantar humilde
lembra-te - ninguém teve culpa, ninguém teve culpa
que a ave se tivesse abeirado da bala em pleno ar
ninguém teve culpa
se te pedirem contas do sucedido
podes explicar ao advogado a legítima defesa, que a fome
é coisa que pode matar, e afinal, canja é sopa de gente pobre mais nada
caldo quente no prato esboucelado cedido pela vizinha
lembra-te - ninguém teve culpa, ninguém.
(foto:cyril auvity - "sacrifice")
"o que dói
é não poder apagar a tua ausência
e repetir dia a pós dia os mesmos gestos
o que dói
é o teu nome que ficou como mendigo
descoberto em cada esquina dos meus versos
o que dói
é tudo e mais aquilo que desteço
ao tecer para ti novos regressos"
(in, "óxalida" de cérjio lage
foto: cyril auvity - "encounter of 3rd kind")
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
domingo, 28 de setembro de 2008
"a minha primeira visão da terra foi através da água. Pertenço à raça de homens e mulheres que olham todas as coisas através desta cortina de mar e os meus olhos são a cor da água.
olhava com olhos de camaleão a face mutável do mundo e considerava anonimamente o meu ser incompleto.
lembro o meu primeiro nascimento na água. à minha volta a transparência sulfurosa e os meus ossos moviam-se como se fossem pontas de borracha. oscilo e flutuo nas pontas sem ossos dos meus pés atenta aos sons distantes, sons para além do alcance de ouvidos humanos, vejo coisas que são para além do alcance dos olhos. nasço cheia das memórias dos sinos da atlântida. sempre à espera de sons perdidos e à procura de perdidas cores, permanecendo para sempre no limiar como alguém perturbado por recordações, corto o ar a passo largo com largos golpes de barbatana e nado através de quartos sem paredes. expulsadas de um paraíso de ausência de som, catedrais ondulam à passagem de um corpo, como música sem som. esta atlântida só podia ser novamente encontrada à noite pelo caminho do sonho."
anais nin
in, "a casa do incesto" - assírio e alvim
(foto:darren holmes - "untitled")
terça-feira, 23 de setembro de 2008
sábado, 30 de agosto de 2008
morreu uma
a outra ficou
vou irmanando pelo caminho
somos poucas
somos muitas
não deixamos de ser três
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
o nosso quarto era a parte detonada da casa
tu contavas da noite aquilo que os meus olhos semi-cerrados nunca poderiam naquela idade ainda ver
tu contavas da noite a noite
eu ouvia e deixava que a água dos olhos se infiltrasse pela íris adentro e me percorresse os caminhos onde só as artérias se arrastam, até ao coração das coisas inomináveis
a mãe ficava em joelhos atrás da porta
quase que lhe aspirava a treva que se infiltrava pelas frestas da porta
quase que lhe sentia já o negro dos paramentos que a revestem
(até hoje)
tu falavas-me das flores que partiram os caules antes de serem colhidas
e perguntavas-me porque nasciam crianças já mortas nos seus canteiros
e era tudo tão estranho
que eu ficava em silêncio na esperança de que a manhã viesse depressa e eu pudesse ressuscitar-te com lençóis lavados
e depois, como as noites eram longas eu decidia quebrar o cume das horas acendendo a luz
dizia-te do céu azul, e do branco das nuvens
de como existiam pássaros cujas asas ainda não tinham sido cortadas
tudo para que esquecesses as sombras e as vozes que dizias sussurradas nos pequenos espaços em que paravas de falar
nessa altura eu era jovem, e tinha um ar jovem e pensava que isso era suficiente para vencer a morte
nessa altura eu pensava que morte era o nome de uma senhora sábia que morava na casa por detrás da avó
nessa altura o teu corpo estava já todo manchado de noite e eu não consegui perceber isso porque te confundi com sombra da parede do quarto detonado
A casa ruiu por fim
mas lembro-me agora que ainda te conseguiste despedir de mim com um beijo de boa noite
era já manhã quando o fizeste
a mãe tinha adormecido encostada à parede esculpida de humidades
e no soalho escuro
ao pé dela, nasceu uma planta que tem crescido ao sabor do sal
Se perguntasses por mim hoje dizia-te que mudei de casa e até de quarto
e a noite?
a noite...
Se perguntasses por ela dizia-te que continua lá
Que continua cá…
duas estórias que são só uma
"quando o verão era apenas matéria de fenos
tu ficavas intacta na paisagem
e aí eu podia ver-te
única sombra no desvario do sol
______________
(...)
______________
e eram turvas as letras insanas
em que emaranhados ondulavam os teus cabelos
o teu rosto
tez imersa de sal e o arcano saber arredondado de fugas
a voz a incendiar os grãos de trigo que eram já o desvelo em que te foste"
viria veraz
terça-feira, 26 de agosto de 2008
optimistic lyric
sim... estou em pânico
preciso de qualquer coisa
nem que seja uma música...
talvez uma só música me salve...
talvez...
"you can try the best you can
you can try the best you can
the best you can is good enough"
(foto:michal krakowiak - "untitled with serious art"
letra: radiohead)
enjoy the silence
break the silence
come crashing in
into my little world
painful to me
pierced right through me
can't you understand
oh my little girl
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
vows are spoken
to be broken
feelings are intense
words are trivial
pleasures remain
so does the pain
words are meaningless
and unforgettable
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
words are very unnecessary
they can only do harm
words like violence
break the silence
come crashing in
into my little world
painful to me
pierced right through me
can't you understand
oh my little girl
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
vows are spoken
to be broken
feelings are intense
words are trivial
pleasures remain
so does the pain
words are meaningless
and forgettable
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
all i ever wanted
all i ever needed
is here in my arms
words are very unnecessary
they can only do harm
can only do harm"
(letra: martin gore
originalmente interpretada por depeche mode
não posso deixar de gostar mais da interpretação de uma das minhas poderosas preferidas)
terça-feira, 19 de agosto de 2008
porque a minha revolução não tem nome...
(dedicado a todas as mulheres
em especial à minha mãe...)
“Ao longo da curva do globo terrestre há mulheres a levantar-se de madrugada, na escuridão que precede a luz, no lusco-fusco que antecede o nascer do sol; há mulheres a levantar-se mais cedo que os homens e que as crianças, para quebrar o gelo, acender o fogão, preparar a papa, o café, o arroz, para passar as calças, para fazer tranças, para tirar água do poço, para ferver a água para o chá, para preparar as crianças para ir para a escola, para colher os legumes e começar a caminhada para o mercado, para correr a apanhar o autocarro para o trabalho (…).
Eu não sei quando é que a maioria das mulheres dorme.
Nas grandes cidades, de madrugada, há mulheres que regressam a casa de fazer limpeza aos escritórios durante toda a noite, ou de encerar as enfermarias dos hospitais, ou de fazer a vigília aos velhos e aos doentes, assustados com a hora em que a morte virá cumprir a sua missão.
“(…) as mulheres passam horas a limpar pedras minúsculas e a escolher feijões, trigo, arroz; elas descascam ervilhas e estripam o peixe e esmagam as especiarias nos almofarizes. Elas compram ossos ou tripas no mercado e preparam sopas baratas e nutritivas. Elas remendam roupas até que estas já não tenham ponta por onde se lhes pegue. Elas… procuram… os mais baratos uniformes escolares, no maior número possível de prestações. Elas trocam velhas revistas por lavatórios de plástico e compram brinquedos e sapatos em segunda mão. Elas caminham longas distâncias para encontrar um novelo de algodão a um preço mais acessível.
É este o dia de trabalho que nunca mudou em nada, o trabalho feminino gratuito que significa a sobrevivência dos pobres.
Numa luz ténue eu vejo-a, vezes sem conta, o seu relógio interno empurrando-a da cama com os membros pesados e talvez doridos, com o seu bafo a bafejar vida ao seu fogão, à sua casa, à sua família, com a última amostra fria da noite no corpo, de encontro ao súbito sol nascente.
No meu mundo branco (…), tentaram convencer-me de que esta mulher – politizada por forças cruzadas – não pensa ou reflecte sobre a vida que leva. Que as suas ideias não são ideias reais como as de Karl Marx ou de Simone de Beauvoir. Que os seus cálculos, a sua filosofia espiritual, os seus dons para a lei e para a ética, que as suas decisões políticas de emergências diárias são meramente instintivas ou são reacções condicionadas. Que apenas certo tipo de pessoas pode formular teorias; que a mente branca instruída é capaz de formular o que quer que seja; que o feminismo branco de classe média pode ter conhecimentos em nome de ‘todas as mulheres’; que a formulação somente pode ser tomada a sério quando formulada por uma mente branca.
(…) eu, claro, preciso de sair da base e do centro dos meus sentimentos, mas com o sentido de correcção de que os meus sentimentos não são o centro do feminismo.
(…) fugir ou ignorar tal desafio significa apenas isolar o feminismo branco de outros grandes movimentos de autodeterminação e de justiça dentro dos quais e contra os quais as mulheres se definem.
Uma vez mais: Quem somos ‘nós’? (...)"
RICH, Adrienne (1984). Notas para uma política da localização. In MACEDO, Ana Gabriela (org.) (2002), Género, Identidade e Desejo – Antologia Crítica do Feminismo Contemporâneo. Lisboa: Edições Cotovia
(foto:katia chausheva - "sunday")
“i am walking rapidly through striations of light
and dark thrown under an arcade
i am a women in the prime of life, with certain powers and those powers severely limited by authorities whose faces I rarely see
i am a women with a certain mission which I obeyed to the letter will leave her intact
a women with the nerves of a panther
a women with contacts among Hell’s Angel’s
a women feeling the fullness of her power’s at the precise moment when she must not use them
a women sworn to lucidity who sees through the mayhem, the smoky fires of these underground streets
her dead poet learning to walk backword against the wind on the wrong side of the mirror”
adrienne rich
(foto:lilya corneli - "black and white series")
(porque não espero)
domingo, 17 de agosto de 2008
amplexo
não sei que seja
há um subir fundo
um aprofundar de superfície
um marulhar que se vê de longe
há um vento que ruge
um ventaneiro que emudece com as primeiras chuvas
uma silenciada que explode numa língua estranha
há uma terra ao fundo que rima com outonal ou invernal
(e é bom saber isso em pleno verão)
há um rapaz de quase não caber nas portas baixas
um moinho que dança até entardecer
há o cheiro da terra lubrificada
os rolos de palha intacta a amarelecer
há o jardim das oliveiras presas e delimitadas ao lado da igreja
o quadro de uma rapariga acesa na montra das velharias
e frente à cabeleireira estridente e cusca
há o marco de correio onde envio a carta que te queria em mão
sabes que sou capaz de percorrer o país inteiro por um abraço
e de chegar intacta à madrugada
ainda a saber ao branco da cal das paredes onde colocas as mãos
por muito que escreva há palavras de que não sei o sentido
e por mais dicionários que procure é na estradas que te vejo
asfalto negro a cumprir o chão
(foto: nel- "...")
quinta-feira, 14 de agosto de 2008
terça-feira, 12 de agosto de 2008
segunda-feira, 11 de agosto de 2008
nostalgia...
"l'oiseau
le matin je me léve
j'entends chanter l'oiseau
j'entends chanter rossignolet
qui dit dans son language:
-sont les malheureux les amoureux
qui se mettent en ménage
pour se mettre en ménage
faut avoir du talent
il faut nourrir femme et enfants
mére et tout le ménage
adieu plaisir, adieu beau temps
mon tendre coeur s'engage...
au matin de mes noces
quel habit prendrai-je?
et je prendrai mon habit noir
couleur de pénitence
et mon chapeau des trois couleurs
mon cordon de souffrance"
(resta guardar e aguardar
outro baile
um corpo que sofra connosco cada nota expirada
o suspiro dos passos arrastados até ser dia
até não mais ter forças para poder dançar...)
(foto, letra e música: la machine)
sábado, 2 de agosto de 2008
estudo para Irina - from Macha
Ruslan e Ludmila
У лукоморья дуб зеленый;
Златая цепь на дубе том:
И днем и ночью кот ученый
Всё ходит по цепи кругом;
Идет направо — песнь заводит,
Налево — сказку говорит.
Há um carvalho verde junto à baía;
E no carvalho uma corrente de ouro:
E um gato sábio, noite e dia,
Anda na corrente em redor;
Vai para direita — canta baladas
Para esquerda — conta contos de fadas.
(excerto de poema: alexander pushkin
tradução: antónio pescada
foto:katia chausheva "nadia")
quinta-feira, 31 de julho de 2008
"a avó morreu..." - ouço do outro lado da linha
fico confusa
uma lágrima cai involuntária
ouço sem ouvir o que me vão dizendo.
desligo.
penso ter ouvido mal, tenho vontade de dormir um sono lento e fundo.
deito-me, tremo,
tremo e é verão - (parece que o inverno nunca passa daqui de dentro...)
deito-me tapada em cobertor antes de decidir coisas
(é díficil decidir coisas quando as coisas já estão decididas)
levanto-me
ligo outra vez para a minha mãe que me confirma o que já tinha ouvido
ligo-lhe três vezes seguidas
tento não parecer maluca
tento deixar a vida organizada
-ligo a patrões, a colegas...
ligam-me
tento organizar a desorganização
(arrumar uma vida que nunca foi nem vai ser arrumada)
Desmarco na agenda horas, minutos, para poder ter tempo para o que já nada o tempo pode fazer...
Meto qualquer coisa na mala para o dia seguinte,
para velar um morto não é preciso muita coisa:
uma camisa branca
um casaco preto
um desodorizante para enganar o odor da pele na morte que fica
vou a pé para o comboio
o caminho parece-me mais irregular
sombrio em pleno sol
na estação pico o bilhete que magneticamente me diz:
ULTIMA VIAGEM
até as máquinas falam o que não queremos ouvir...
(mãos de terra à terra retornam...
mãos de terra - última imagem que tenho de ti...)
F.H. - 1918-2008
descansa em paz
sábado, 26 de julho de 2008
cuidar dos mortos
segunda-feira, 14 de julho de 2008
sexta-feira, 11 de julho de 2008
"Augusta – Uma noite, assim sem mais nem menos, ele confessou que não suportava penetrar-me. Perguntei-lhe o que havia em mim de tão repugnante... Confessou-me que para ele eu seria sempre uma virgem, uma intocável, antes e depois do nascimento da nossa filha... E depois nada. O silêncio opressivo, outra vez, nós lado a lado na cama com os nossos cansaços de costas voltadas e não consegui extrair dele nenhumas outras palavras, nenhuma outra justificação...
Ângela – Há noites em que a Lua verga os nossos corpos. Fecho as cortinas. Deito-me na cama do quarto escuro sem ninguém. Aí aprendi a chorar. Chorar, eis algo que (...)nunca pediram ao meu corpo para lhes oferecer. Lágrima por lágrima. Não é a sua Lei.
não há refúgio neste quarto escuro"
(texto-nuno vicente - "renaissance - memória habitada a seis mulheres"
foto - francesca woodman - "scrivevo al contrario")
ontem a morte passou por mim na rua
vestida de preto
cambaleante e desmazelada
com um carrinho sem rodas que arrastava
deixando marcas no pavimento
ontem de arrepio
acendi uma vela
vermelha. pingava, pingava
como se chorasse
ontem mais uma vez o de sempre
a morte à frente
e tu ali estendido sem nada poder fazer
(quanto tempo mais vou ter que te ver morrer?)
(foto:sophiarui - fotografia sobre imagem de josé afonso furtado)
segunda-feira, 30 de junho de 2008
não consigo localizar-me no meu corpo
as chamas do incêndio extinto
não consigo encarnar-me
saber de que cor é a saliva ou quais as entranhas
onde o lugar do poema toca mais fundo
só sei cuspir palavras tenras
vomitar as letras ainda por emprenhar
no mais concâvo dos sons
e saber que o cheiro que sai de mim
é igual ao hálito de uma fera que nunca se domesticou...
_____
domingo, 29 de junho de 2008
tocou
eu inflamei a voz no "tou" perguntado
e ouvi o teu "humm..."
do outro lado
(gostava quando fazias esse som)
sabia que eras tu mas ainda assim
disseste que te tinhas enganado no número
que as teclas eram vidros afiados
e que não podias ligar-me novamente
pois não tinhas luvas de aço que te protegessem
das palavras enroladas no fio
antes do bocal
era noite
e desde aí o telefone nunca mais tocou...
domingo, 22 de junho de 2008
homem - peixe:
há em ti uma escama enterrada que não consegue sair
há no peito uma espinha atravessada que não consegue partir
há na alma carne branda dilacerada que não se consegue esvair
e existem águas que te querem
e escolhes a margem com o medo de te ires
ahhh peixe morno que queres da vida?
água estagnada, empedernida?
disso não há aqui!
aqui há vida a pulsar
mortes por desenterrar
e um mar forte e bravio
onde me lanço corpo frio
para sempre ressuscitar!!
(estória de sempre abraçar... sabor (a)mar...)
(pescado nesta onda
foto:lilya corneli - "patchwork series")
sábado, 21 de junho de 2008
quarta-feira, 18 de junho de 2008
la merde (este post em francês seria belíssimo)
para que conste:
sim estou na merda
sim estou na merda muitas vezes
sim de certa forma sou eu que escolho estar na merda
sim é uma escolha merdosa
sim é uma merda estar na merda
sim mandei-te à merda
sim mandei-te ir quando eu não estivesse lá para que não tivesses oportunidade de ir
sim odeio-me porque sou sempre mal entendida
sim odeio-me porque não me sei fazer entender sem te mandar à merda
sim e fico com remorsos sempre que o faço
sim e sempre que o faço ainda fico mais na merda
merda merda merda merda merda merda
sim amo tracinho te
sim não sei amar tracinho te
sim também não sabes amar tracinho me
sim...
sim sou mulher
sim és homem
sim é uma merda haver sempre um abismo intransponível perante isto
sim... e o que é que eu faço com isto agora?
sim, isto que sinto...
sim mando isto tudo à merda?
sim explica-me como se faz...
(dizem que começar as frases por "sim" é sinal de optimismo na vida...
uauuuuu!!! que merda de optimismo pode haver quando se está na merda?)
(foto:lilya corneli - "galery III")